UM GÉNIO ENTRE CAVALEIROS
Nuno Oliveira foi reconhecido e aclamado em todo o mundo como o último grande Mestre da Equitação Clássica. Dizia-se que ele personificava a passagem duma era: uma idade de ouro da equitação académica e artística que começou com De la Gueriniére e que no século IXX teve como expoente máximo François Baucher, que era quem ele mais admirava.
Nuno Oliveira não era apenas um grande instrutor, cavaleiro e treinador, era também uma pessoa extraordinária. Verdadeiramente excepcional no que à equitação dizia respeito era altamente considerado no nosso país e foi duas vezes condecorado pelo Governo Português. Era também aceite e reconhecido por Chefes de Estado, políticos e diplomatas em todo o mundo.Por puro talento, total autodisciplina e genuíno amor pelos cavalos, juntamente com uma compreensão e visão do seu potencial, Nuno Oliveira atingiu a excelência.
Era difícil imaginar Nuno Oliveira sem ser a cavalo. Apesar da passagem dos anos, Mestre Nuno nunca alterou a sua rotina espartana de trabalho. O seu dia começava com os cavalos novos às 05H30 da manhã; depois seguiam-se infindáveis lições com alunos internos e estrangeiros com as correspondentes sessões de ensino concentrado. Ao anoitecer tinha concluído mais trabalho do que a maior parte das pessoas consegue executar durante uma semana. No entanto, depois de tudo isto, com um copo de whisky e o inevitável cigarro, o Mestre ainda tinha tempo para conversar e discutir o seu trabalho com extremo encanto e cortesia.
A cavalo, Nuno Oliveira, apresentava uma inconfundível silhueta que lhe era muito própria. Nas suas lições falava de “um dorso superior alargado” com o assento absolutamente em bloco único com o cavalo. A sua cabeça posicionava-se duma maneira ligeiramente inclinada, como se penetrasse na parte de trás do cérebro do cavalo com o seu intenso, quase pensativo olhar – no entanto os alunos eram aconselhados a não o imitarem.
Com uma majestosa presença, ele parecia elevar-se acima da sela como um rochedo, orgulhoso, sólido e principalmente tranquilo. Desmontado, esperava-se ser confrontado pela força física de um homem muito grande e era quase um choque quando uma bem delineada e artística mão morena nos era estendida por uma figura alta, mas relativamente magra e seca.
A leveza nas mãos era constantemente repetida pela leveza das pernas, e a única concessão que o Mestre fazia à força visível era a da linha arqueada das suas costas e do proeminente peito de cavaleiro clássico.
A gentileza era usada sem restrições com todos os seus cavalos e frequentemente, especialmente se merecida, com os seus alunos que ele tratava como fiéis amigos. O alheamento estava muitas vezes presente durante os períodos de instrução ou quando se entregava a reminiscências. O olhar frio podia surgir rápido, quando, estando a dar lições era interrompido por comentários intempestivos e em voz alta por ocasionais visitantes, ou numa discussão sobre contacto. Isto pode talvez ser melhor resumido pela citação seguinte do livro do Mestre ‘Reflexões da Arte Equestre’. “Eu não consigo controlar a minha raiva quando oiço dizer que o cavalo deve ser permanentemente pressionado contra o ferro”.
Nuno Oliveira não era, nem condescendente nem superior, e encorajava a humildade. Gostava de falar da sua vida e dos seus cavalos com todos os seus triunfos e ocasionais desilusões. E acima de tudo, ele era na verdade um admirador do papel de “écuyer”, como aliás enfatizou no livro “Princípios Clássicos da Arte de Treinar Cavalos”. O verdadeiro “écuyer” não deve nunca, escreve ele, ter “a estupidez dum complexo de superioridade” ou “a vaidade de se julgar um génio”.
Para o Mestre, o conceito de praticar e ensinar a equitação clássica deve ser baseado em leveza, liberdade, beleza e harmonia. “O cavaleiro que constantemente segura o seu cavalo com um forte contacto não pode nunca progredir; só o cavaleiro que sabe como trabalhar o seu cavalo em liberdade descobrirá a arte de montar.”Falava da sua crença em Deus e de que para ele a coisa mais importante era ajudar as pessoas. “Se temos um talento também temos um dever. O meu dever na vida é mostrar às pessoas e ensiná-las a montar cavalos como Deus quer.”
Para quem visse os cavalos novos de Nuno Oliveira trabalhando na sua escola para ele, a diferença entre os seus métodos e tantos outros métodos que estavam em moda na Europa, tornava-se inequivocamente clara.
Em primeiro lugar, os seus cavalos eram suaves e lindamente equilibrados. Trabalhados primeiro à guia, e depois montados com uma ligeira concentração através de exercícios cuidadosamente desenhados em circulo, depressa aprendiam a suavidade e o arredondamento. Este trabalho assegurava que os curvilhões ficassem suficientemente por debaixo deles para produzirem um excelente alongamento em linha recta quando necessário. No entanto durante esta primeira fase de treino, Nuno Oliveira era cuidadoso e não pedia muita extensão. “Isto prejudicaria mais tarde a capacidade de ginástica do cavalo se for exigida demasiado cedo” explicava ele.”
O nosso objectivo é fazer o cavalo redondo, depois ele pode transportar-nos confortavelmente e aprender a ser ginasticado. Não se pode esperar que um cavalo seja atlético se constantemente o derrearmos”.
Dentro deste trabalho de reunião, grande importância era dada em deixar o cavalo descontrair com uma rédea longa entre exercícios, e recompensá-lo com elogios e ocasionais recompensas. Nuno Oliveira era muito rigoroso no trabalho a direito e consistentemente examinava os cavalos e alunos pedindo-lhes que seguissem pela linha do centro depois de trabalharem em círculo ou em movimentos laterais.
Paragens bem executadas e o recuar sem restrições eram também muito importantes. Nuno Oliveira gostava de todos os cavalos, mas tinha preferências óbvias… “Amo o meu País e amo o nosso Lusitano”, dizia com um sorriso. “Ele tem o mais gentil temperamento do mundo e é o mais bem equilibrado. Torna simples o trabalho do cavaleiro porque aceita melhor as mãos e pernas. Mas também gosto do Puro Sangue Inglês. É um cavalo maravilhoso, uma criatura de grande vivacidade, brilho e beleza. Talvez entre todos, o mais brilhante para dressage, se se encontrar um bom. Mas tem que ser mesmo muito bom. Não do tipo errado, com uma garupa fraca e um pescoço invertido, mas bem inserido no corpo. “Por implicação, lamentava a moda dessa época, no mundo de dressage, dos grandes meio sangues europeus. “Eles não são sensíveis ou fogosos como os puro sangue, nem são doces e prestáveis como os lusitanos. São grandes máquinas, excelentes no seu trabalho, eficientes como poder motorizado. Usam a força e as pessoas montam-nos com força. E isso é triste, não há arte nisso. A arte não pode nunca ser forçada.”Os alemães criaram o aspecto desportivo da dressage que tem sido seguido pelas outras nações do mundo para se encaixar convenientemente no molde competitivo dos Jogos Olímpicos. “Os alemães são altamente organizados”, admitia Nuno Oliveira “não fizeram somente o desporto ser o que é, mas controlam-no, vivem para ele e trabalham para ele. São extremamente dedicados, temos de o reconhecer.”Entre os cavaleiros de competição internacional de dressage, do seu tempo, segundo dizia, admirava “Schultheis, provavelmente o melhor, e Klimke obviamente também muito bom.” Acrescentava. “A maneira de pensar dos juizes devia ser alterada. Como podemos ter juizes julgando em provas de nível Grand Prix que nunca, eles próprios, montaram a este nível? Nunca esquecerei uma das minhas alunas na Bélgica que me mostrou a sua folha da prova depois de não ter conseguido atingir uma boa pontuação numa competição de dressage. O comentário subscrito era: “Não cruza atrás!!!”
Se queremos influenciar o mundo, temos de mostrar ao mundo a arte de montar. Exponham beleza! Façam as pessoas sentarem-se e notarem. O publico não é parvo, eles sabem reconhecer quando vêm qualquer coisa que brilhe.”
Com o Mestre Nuno e o seu filho João para ilustrar essa arte na sua quinta em Portugal os sonhos pareciam ser de fácil alcance. Faziam tudo o que podiam para espalhar os seus métodos e os seus ideais de perfeição. Centenas de alunos desde a Suíça até à Suazilândia, faziam a peregrinação até à colina onde se situava a sua quinta, todos os anos, e ganhavam o privilégio de montar os seus garanhões de alta escola.
Profundamente devotado aos seus alunos de todo o mundo, o Mestre nunca os desapontaria faltando à sua longa lista de compromissos.
À pergunta, quem o substituirá um dia? Quem sabe o suficiente para transmitir no futuro, esta arte? Nuno Oliveira contava com o seu filho João, que, segundo dizia. “Sabe mais do que qualquer outra pessoa. Há também os meus alunos espalhados por esse mundo e a minha nora, Sue Cromarty Oliveira, na Bélgica. Há muita gente a conhecer os meus métodos, e há também os meus livros.”
De facto, os livros do Mestre Nuno Oliveira são o grande legado que ele deixou ao mundo equestre.
O que é que distingue este grande senhor, de todos os outros cavaleiros seus contemporâneos? Teria sido porque deu aos seus cavalos, neste século de rápidos resultados e instantâneos sucessos, um nível de ensino nunca atingido por outros? Teria sido puramente a sua presença magnética e o toque especial que dava aos seus cavalos? Teria sido a sua abordagem artística e o que parecia ser a herança das antigas coudelarias reais investida num só homem? Ou era a sua retentiva e investigadora mente que lhe permitia não apenas tirar partido das suas experiências mas também aprender a partir delas antes de começar a trabalhar com cada novo cavalo? É difícil dizer. Talvez a combinação de todas estas qualidades e acima de tudo a sua capacidade de sentir, o que fazia dele um ser à parte.
Sentir o que está certo para cada indivíduo no tempo e lugar certo – é um raro dom em qualquer esfera – muito especialmente com cavalos e cavaleiros.
Texto: Sylvia Loch