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Manuel Armando, um nome para a história das Corridas de Cavalos

Num raro desafio, tive a oportunidade de, com a colaboração do próprio, historiar a vida de um Homem simples, que admirava. Um homem que nascido numa família de agricultores, faleceu entre a elite, em circunstâncias ainda por esclarecer. Trato simples, organizado, “stressado a mil à hora”, sempre disponível para ajudar ou desenrascar, fosse o que fosse, este era Manuel Armando Oliveira, um “nobre”, moldado à semelhança do Lidador.

O corpo humano é a carruagem,
eu, o homem que a conduz,
os pensamentos as rédeas,
os sentimentos são os cavalos.
(2013, Manuel Armando Oliveira, citando Platão)

Em 1960, na freguesia de Milheirós, concelho da Maia, no seio de uma numerosa família de pequenos agricultores, nascia Manuel Armando Oliveira, que recentemente nos deixou.

Em Nogueira, para onde os pais se mudaram de forma a amanhar a sua própria terra, frequentou a Escola Primária do Monte. Com os primeiros ensinamentos da escola desenvolveu também a arte de amanhar a terra.

Na exploração familiar, além da terra, bois, vacas, porcos, galinhas e coelhos faziam parte da criação que incluía um cavalo de trabalho de nome “Janota”.

Aos 12 anos, como acontecia em muitas famílias, pausou os estudos para poder ajudar nas lides do campo e tomar conta dos seus irmãos, mas foi nessa altura que começou por participar em pequenas Corridas de Cavalos.

Com a habilidade que tinha para Jockey vencia sempre, pelo que o passo seguinte foi participar em corridas realizadas em municípios vizinhos. Sem os transportes actuais, percorria as dezenas de quilómetros que o separava das pistas, a pé com o cavalo ao lado, de forma a estar ao melhor nível na corrida.

Nunca perdia. Só no ano de 1976 conquistou 52 troféus. As taças que ganhava, não as guardava, utilizava para organizar as suas próprias corridas.

Aos 16 anos, começou a namorar aquela que viria a esposar aos 19 anos, altura em que enveredou pela profissão de “Condutor de Veículos Especiais” ao serviço dos SMAS.

Com 20 anos e uma vida desafogada, nasce o primeiro filho, uma menina, que cresceu já na moradia que construiu. Cerca de 7 anos mais tarde, nasce o segundo filho, desta vez um rapaz.

Na mesma altura, em 1987, a EDP recebe a exploração da Maia e Manuel Armando transita para a empresa que acompanhou até aos últimos dias. Retoma os estudos, mas pouco tempo depois, aos 32 anos, em 1992, um grave acidente de cavalo quase lhe roubava a vida.

Corria-se a aquela que era considerada a mais importante prova do Norte do país que se realizava na Maia. Nesse dia, tudo parecia correr na perfeição. O seu irmão mais novo, que também já competia, tinha-se apurado para a final. Era uma final de cinco cavalos em prova para uma pista muito reduzida. Levando ligeiramente a dianteira, numa curva, a sua égua tropeçou e caiu. Como vinham todos lançados, todos os cavaleiros e cavalos caíram-lhe em cima. O desastre logo se adivinhava pelos presentes como muito grave. As dores eram fortíssimas e a adrenalina amenizava um pouco ajudando-o a manter a consciência. Mas era grave. Tão grave que lhe mudaria a vida para sempre. Desfazia-lhe os sonhos de uma família numerosa e da conclusão de estudos superiores em medicina veterinária.

Entrou em coma, onde sonhou sozinho quatro semanas. Quando acorda, recorda de imediato o acidente e sofre o primeiro choque. Não se conseguia mexer da cabeça para baixo. Fracturou a coluna. O relatório médico refere “tetraplegia imediata” com menos de 1% de hipóteses de recuperação.

A força da sua família, aliada à sua força interna, levou-o a uma recuperação nunca imaginada. Ao fim de cerca de 6 meses, apareceram os primeiros sinais de evolução positiva. Uma enorme felicidade. Gradualmente foi sentindo sensibilidade e movimentação dos membros. Sai do hospital cerca de 12 meses depois, quando, fruto do empenho dos médicos nas múltiplas operações e dos fisiatras, começou a dar os primeiros passos. Mas a vida nesses primeiros tempos não foi fácil porque não tinha autonomia.

Fruto do acidente, em 1995 passa a efectuar serviço administrativo, mas com mais tempo para a vida e para a sua paixão dos cavalos. Nesse mesmo ano, voltou a ter novo acidente e voltou o fantasma da tetraplegia. A recuperação foi menor e levou cerca de dois anos.

O “vício” dos Cavalos ainda vivia nele e nem nestes anos de recuperação esqueceu o amor que começou com o “Janota”, continuando o seu percurso, desta vez como o principal organizador de Corridas de Cavalos a Norte.

Em 1997, juntamente com alguns elementos escolhidos por si, criou a Liga Portuguesa dos Criadores e Proprietários de Cavalos de Corrida (LPCPCC). O reconhecimento deu-se quando o Serviço Nacional Coudélico do Ministério da Agricultura, lhe atribuiu, a título pessoal, o cargo de “Director Nacional de Corridas”.

Dificilmente alguém consegue dissociar as Corridas de Cavalos, dignas desse nome (oficiais), ao nome Manuel Armando Oliveira. Na Liga ele é o motor. Ele organiza, trata dos processos administrativos, da promoção, das receitas e despesas, da organização técnica e de tudo o resto. Sem nunca ter almejado ser presidente, tanto é o reconhecimento que tem, que só o foi em quem ele depositou confiança. Assim o foi até hoje.

Em 2008, com José Vieira de Carvalho, falecido edil da Maia, José Pedrosa, Chefe da Divisão do Desporto da Câmara Municipal da Maia e mentor da “Capital do Desporto”, e alguns juristas, fundam o Centro Equestre da Maia. A sua obra e aposta pessoal, sendo o primeiro e único presidente até à data, valendo-lhe a alcunha de “O engenheiro”, não de licenciatura, mas de obra feita.

Desde essa altura, foi-lhe confiada a gestão do Hipódromo Municipal, hoje um espaço bonito que se foi construindo sem fundos e com o tempo.

Reunião de Jockeys

Na Liga, o seu trabalho continua. Consegue o reconhecimento e o estatuto de «única entidade autorizada a organizar e fiscalizar provas de corridas de cavalos a galope em Portugal”. A sua grande luta (da legalização das Apostas Mutuas Hípicas Urbanas), entre encontros com Ministros, Secretários de Estado, Partidos Políticos, esta luta levava-lhe todo o tempo disponível. Surge assim, já a passear o neto Gabriel, o divórcio com a sua companheira de sempre.

Em 2005, surge na sua vida Cláudia Martins, por quem se apaixona e que lhe dá o seu terceiro filho, o Rafael, que mais uma vez dá os primeiros passos, ao mesmo tempo que aprende a montar.

Em 2013 dizia a este jornalista que pretendia agarrar os seus sonhos e perseguir uma licenciatura na vertente do conhecimento e não profissional. Queria cultivar a sua mente. Comprar conhecimento através da sua maior fortuna: a sua enorme vontade de viver.

Com esta chama de vida acesa, para o futuro disse que apenas pretendia assistir e participar activamente no crescimento educacional e social dos seus filhos e netos. Para ele um privilégio e o sentido de dever cumprido, até que Deus o chamasse para junto de si. E chamou na fatídica madrugada de 21 de Julho de 2017, em circunstâncias ainda por esclarecer, ao cuidado dos investigadores da Policia Judiciária.

Na entrevista que concedeu a este jornalista e seu amigo pessoal, terminou citando Confúcio «Para conhecermos os amigos é necessário passar pelo sucesso e pela desgraça. No sucesso, verificamos a quantidade e, na desgraça, a qualidade».

Tive o privilégio de ser seu amigo, de testemunhar a sua alegria de vida e a sua paixão pelos Cavalos. Amigo do seu amigo, capaz de dar a camisa pelo próximo, resta-me a felicidade de ele ter lido grande parte deste texto em vida e o subscrever. Nunca pensei que um dia tivesse que voltar aos meus arquivos para dar um ultimo adeus a este amigo. Assim foi, mas o seu nome, o seu carácter e o seu exemplo vão ficar connosco.

Os amigos sabem quão verdadeiras são estas palavras que espelham factos.

Ficará lá em cima contente por saber que nenhum dos seus amigos, nem na hora da sua morte o abandonarão e continuarão, em seu nome, a sua obra.

Por Artur Bacelar, jornalista, CP 6262.

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