O Cavalo Puro Sangue Árabe
Foto: Ohxul Ben Biarritz – Tricampeão da Europa
Texto: Dr. Manuel H. Domingues-Heleno
Deus agarrou então daquele vento um punhado e criou um cavalo a quem disse: « Nomeio-te e crio-te Árabe”.
Na sua simplicidade, é esta a lenda explicativa da origem do Cavalo Árabe que mais me seduz.
Mas muitas outras fábulas tentam dar uma explicação para a incógnita da sua origem:
Conta-se que Maomé, nascido na Meca em 570, profeta de Alá, ordenou que numa cerca à borda de um ribeiro de águas límpidas e frescas, uma centena de éguas fosse voluntariamente privada de beber durante vários dias.
Maomé mandou depois abrir a vedação. As éguas correram precipitadamente para o ribeiro. O profeta chamou-as. Só cinco vieram alegremente ter com o dono, antes de beberem. Então, Maomé abençoou-as. São conhecidas pela denominação das “5 do profeta” e seriam elas as matriarcas da raça Árabe.
Em verdade, a origem do Cavalo Árabe é muito discutível e cada região da Africa do Norte, do Próximo ou do Médio Oriente pode reivindicar a honra de ser o berço da raça. Mas, se não podemos ter uma certeza sobre o local de origem do cavalo antepassado do actual Puro Sangue Árabe, não restam dúvidas que foi na antiga Mesopotâmia que o Cavalo Oriental começou a sua prodigiosa e vertiginosa carreira. Com efeito, foi naquela zona geográfica que as rivalidades entre tribos e as frequentes guerras mostraram as suas capacidades na batalha e o tornaram indispensável para vencer.
Pessoalmente, estou convencido que os antepassados do Cavalo Árabe devem ser procurados na Mesopotâmia, talvez entre o Tigre e o Eufrates, ali mesmo onde viveu uma das pri-meiras civilizações do Mundo. E que foi daquela região que, provavelmente, ele passou para a Península Arábica, país não propício ao cavalo mas onde a paciência, o carinho, inteligência e tenacidade dos beduínos triunfaram de todas as dificuldades.
E mesmo se a proveniência do Cavalo Árabe é incerta, temos a certeza que a sua individualidade se formou nas dificuldades do nomadismo, na austeridade do deserto, na experiência de um clima inóspito, na dureza das batalhas, na poeira das caçadas e numa natureza em que só uma elite sobreviveu, o que nele incrementou as suas fabulosas qualidades de rapidez, de coragem, de sobriedade e de resistência, que desde logo o distinguiram de qualquer outra raça.
De qualquer forma, seja ela qual for a origem longínqua do Cavalo Oriental, ele representa um importante traço de união entre os países Árabes e o resto do Mundo.
A fascinação pelo Cavalo pode ser considerada um atributo distintivo do povo Árabe, que desde a época pré islâmica o descreveu detalhadamente, empregando o seu génio poético para dar a conhecer aquele que o servia em todas as actividades.Mais tarde surgiu uma literatura menos romântica, mais técnica, que nos presenteou com os primeiros tratados sobre hipologia e hipiatria.
A partir do século V, para mais facilmente definirem as particularidades do Cavalo Oriental e para melhor ilustrarem o que queriam transmitir, autores antigos fizeram comparações diversas, algumas cheias de imaginação e humor, fazendo por exemplo o paralelo entre os dois seres vivos que mais amavam, a mulher e o cavalo. E é assim que: Como a mulher, a boa égua devia ter o peito alto, a anca redonda e a mansidão.
O Puro Sangue Árabe resulta de uma selecção natural e humana que visou a rusticidade, a docilidade, a resistência, a velocidade, a funcionalidade, as origens e a beleza.Em verdade, naqueles tempos, os povos orientais julgavam os seus animais na acção, pela resistência à fadiga, à fome e à sede, pela maneabilidade no combate, pela coragem na caça e pela obediência e dedicação ao seu dono. Sem dúvida davam uma maior importância às qualidades físicas e de carácter que aos dons puramente estéticos. Isto não quer dizer que a beldade do animal não tinha importância. Tinha-a e muita, pois era sinónimo da tão procurada e indispensável pureza, definindo “o tipo” do cavalo que mais tarde se tornaria no Puro Sangue Árabe.Orientada para qualidades tão diversas e praticada durante séculos, esta selecção deu ao Cavalo Árabe uma polivalência nunca atingida pelos outros equinos, e que faz dele um animal completo e capaz de transmitir às outras raças cavalares todos os seus talentos.
Mas esta apuração de pouco teria servido, se uma atenção particular não tivesse sido dada à reprodução cavalar. Os povos do Médio Oriente e Africa do Norte escolhiam minuciosamente os cruzamentos e preocupavam-se primordialmente com as ori-gens, reportando sobre o animal o gosto que tinham da sua própria genealogia. As linhas maternas eram as mais importan-tes e eram transmitidas oralmente de pai em filho. As cobrições faziam-se sempre na presença de testemunhas, que as podiam confirmar. Gerou-se assim um primeiro livro genealógico de tradição oral.
O Cavalo Oriental também sofreu um importantíssimo apuramento ditado pelas corridas, ao longo de séculos. Em monumentos egípcios com 4500 anos, já estão representadas corridas de carros puxados por dois cavalos orientais. Maomé foi provavelmente o primeiro a servir-se das corridas como modo de selecção: o vencedor (“ôtant”, que significa aquele que tira preocupações ao seu dono) era eleito reprodutor.Com um tal apuramento ao longo dos milénios, não é surpreendente que hoje se encontrem Cavalos Árabes completos, polivalentes, capazes de rivalizar com as outras raças e mesmo vence-las em muitas disciplinas equestres. Na história da sua terra natal o cavalo do oriente embeleza quase todas as manifestações artísticas, o que representa um prodigioso enriquecimento cultural para o Mundo. A presença do cavalo na Arte é intemporal. Estende-se da época pré-histórica, com as pinturas rupestres, aos nossos dias. Mas é com o Cavalo Oriental, e particularmente com o Cavalo Árabe, que ela atinge o seu apogeu.
Poetas, pintores, escultores, todos se extasiaram face à beleza, graça, personalidade e nobreza do Cavalo Oriental. Seja em que época for, a todos inspirou, tenham eles a nacionalidade que tiverem. E a todos uniu numa cultura sem fronteiras e sem preconceitos, dando à Arte a universalidade que ele mesmo representa.
Não sabemos ao certo quando foi introduzido na Península Ibérica o Cavalo Árabe, mas a partir de 710 as sucessivas invasões islâmicas trouxeram para terras hoje portuguesas numerosos cavalos orientais, que deixaram grandes marcas, dado que a presença árabe no extremo sul de Portugal durou até ao século XIII (1248).
Mais tarde, já no século XVI, a pioneira expansão Lusitana no Mundo levou os Portugueses a dominarem muitos mercados orientais, trazendo para o nosso país o que de mais raro lá existia. E entre essas riquezas contava-se o Cavalo Oriental. A partir do século XVIII os Cavalos Árabes distinguiram-se particularmente. Na Grã-Bretanha eles deram origem ao Puro Sangue Inglês, na Rússia ao Orloff, e, no século XIX, em França, ao Anglo-árabe.
A campanha de Napoleão no Egipto acentuou aquela ten-dência, trazendo para a corte francesa a moda do Cavalo Árabe, a montada preferida do Imperador. Uma moda que influenciou quase toda a Europa e um gosto que não deixou de atingir Portugal, como documentam as importações feitas do Egipto e de Constantinopla entre 1812 e 1876. Infelizmente, destas importações, não há descendência pura conhecida.Para a história do Puro Sangue Árabe em Portugal, só as aquisições feitas a partir de 1902 têm interesse, por alguns daqueles animais terem uma descendência ainda hoje represen-tada em raça pura.É importante assinalar que, para evitar qualquer erro (sempre possível por, como no resto do Mundo, o cavalo árabe ter sido muito utilizado para melhorar raças locais), nenhum animal existente em Portugal antes de 1902 foi inscrito no Stud Book.Tendo sempre considerado que o Puro Sangue Árabe tem outras qualidades além da beleza, que pode e deve ser utilizado como qualquer outro cavalo por não lhe ser inferior, e que o mais bonito dos cavalos sem aptidão funcional serve apenas para entretimento, os portugueses responsáveis pela raça tudo fizeram para preservar simultaneamente as qualidades estéticas e funcionais da mais antiga e prodigiosa das raças conhecidas.
Esta preocupação levou as autoridades oficiais a, desde 1934 e quase durante meio século, procederem a uma selecção de genitores extremamente severa e sem precedentes, e que contempla a funcionalidade, a índole e o tipo. Esta selecção de reprodutores, é uma das mais duras até hoje realizadas no Mundo e fez do Árabe português um animal de excepção, um cavalo robusto e belo que guardou todas as qualidades psíquicas e funcionais de outrora.
Provam-no os muitos títulos internacionais obtidos por Puro Sangue Árabes portugueses em show, em modelo e anda-mentos e em provas desportivas: vários títulos de Campeões da Europa, de Vice-campeões da Europa, de Campeões dos Campeões em vários países e dos melhores poldros de França em corridas de galope.Os Cavalos Árabes portugueses, também revelam a sua superior mobilidade e coragem na Corrida de Toiros à Portuguesa, um confronto leal entre o homem, o cavalo e o touro, a quem o povo lusitano imprimiu as marcas do seu carácter profundo. Estes resultados, que tanto prestigiam o Árabe português, só se tornaram possíveis devido ao cuidado que desde sempre houve em proteger as suas excepcionais qualidades de funciona-lidade, de índole e de beleza, graças às suas origens que incon-testavelmente são das mais nobres que o mundo conhece e por intermédio de um clima e de um solo que protegem a rusticidade e o tipo da raça.
Portugal, como os povos de outrora que durante séculos souberam preservar os fantásticas talentos do Puro Sangue Árabe, é um dos poucos países que sabiamente manteve na raça os dons excepcionais de beleza, de carácter e de eficácia funcional, o que contribui não só para o melhoramento da raça mas também para o melhoramento de todas aquelas que com ela se cruzarem. Da mesma maneira que não há vida sem Sol, também não há boas raças equinas sem Puro Sangue Árabe. É por isso que ele merece não só a nossa grande admiração mas também a nossa maior vigilância, de forma a preservar o conjunto das suas qualidades ancestrais, aquelas que me fizeram chamar-lhe “ Cavalo dos Deuses, Deus dos Cavalos”.
O Cavalo Árabe é um animal maravilhoso e todos nós estamos infinitamente reconhecidos aos países onde ele nasceu e aos povos que sabiamente, com uma enorme paciência e habilidade, o souberam transformar no tesouro artístico e cultural que ele hoje representa para o Mundo, servindo assim de elo de amizade entre os povos.
Depois do sucesso do “Primeiro Raide da Associação Portuguesa do Cavalo Árabe”, organizado pela Federação Equestre Portuguesa em estreita colaboração com a nossa Associação, realizou-se o Campeonato Nacional do Puro Sangue Árabe. O Campeonato Nacional de PSA reuniu este ano um número recorde de concorrentes.
Principais resultados do Campeonato Nacional de Portugal de Puro Sangue Árabe 2010:
Campeão dos Campeões Xenakis Din Biarritz – Criador e proprietário Coudelaria M. Heleno – Haras Biarritz
Vice-Campeão dos Campeões Balzac Ben Biarritz – Criador e proprietário Coudelaria M. Heleno – Haras Biarritz
Campeão Macho JúniorDali Al Biarritz – Criador e proprietário Coudelaria M. Heleno – Haras Biarritz
Vice-campeão Macho JúniorEcko – Criador e proprietário Saul de Almeida
Campeã Fêmea JúniorDiana Al Biarritz – Criador e proprietário Coudelaria M. Heleno – Haras Biarritz
Vice-Campeã Fêmea Júnior
Ex-aequo:Évora – Criador e proprietário Saul de AlmeidaBaccara EM – Criador Lasahr Arabians; proprietário Alfouvar Arabians
Campeão Macho SéniorXenakis Din Biarritz – Criador e proprietário Coudelaria M. Heleno – Haras Biarritz
Vice-campeão Macho SéniorBalzac Ben Biarritz – Criador e proprietário Coudelaria M. Heleno – Haras Biarritz
Campeã Fêmea SéniorÁfrica – Criador e proprietário Saul de Almeida
Vice-Campeã Fêmea Sénior
Ex-aequo:Alexad Ben Biarritz – Criador e proprietário Coudelaria M. Heleno – Haras BiarritzXica Ben Rita – Criador e proprietário José Murteira Martins