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FAR- para onde caminha?

por: David Santos Barata

Sob a monte de sua Majestade o Rei D. José, para onde olhará do alto do pedestal o cavalo Alter Real “Gentil”, imortalizado na Praça do Comércio? Para o futuro da raça e dos seus parentes que há muito nascem na coudelaria de Alter Real? Talvez….Mas dado que os desafios do futuro não nos permitem ficar parados, contemplando o desfiar dos acontecimentos, importará que orientemos a nossa preocupação para a Fundação Alter Real (doravante FAR) coudelaria de Alter (e também para a coudelaria Nacional, adiante CN) que sob a égide daquela (doravante FAR) têm vindo a desenvolver as suas actividades.

Diz-se, no preâmbulo do normativo legal que instituiu a FAR, Decreto Lei 48/2007, de 27 de Fevereiro, que os núcleos de Alter e da CN “representam para o país uma enorme responsabilidade, pela importância que tem na biodiversidade genética animal” e que a Escola Portuguesa de Arte Equestre (EPAE) , a par das duas coudelarias “não podem ser desligadas da história de Portugal” pois “representam um “património cultural” que importa preservar, pois são “memórias vivas da nossa história”.

As palavras, já se sabe, valem sempre o que valem quando não estão na dependência directa de actos concretos que as sustentem, em particular quando proferidas por aqueles que, com funções de gestão, os devem implementar.

Determina o artigo 8º do diploma supra descrito que a partir do ano de 2008 o membro do governo responsável pela área da agricultura, do desenvolvimento rural e das pescas, “pode inscrever no Orçamento de Estado uma verba a transferir para a Fundação, como contrapartida e pagamento das atribuições de serviço público a esta cometidas”.

Ora, os fins cometidos à FAR e que esta deve promover constam do artigo 3º e são, todos eles, da maior importância para o desenvolvimento da raça Lusitana, Sorraia e Garrana e passam pela manutenção e desenvolvimento do laboratório de Genética Molecular, pela manutenção de uma rede informática em conexão com todas as associações de criadores, nacionais e estrangeiras (existe? funciona?) e pela representação do país, pela colocação da coudelaria e da EPAE ao serviço do Protocolo de Estado, entre muitos outros fins de igual relevância.

Ora, no meio deste quadro atributivo e do que ele implica para se concretizar, é o “pode transferir”, no corpo do artigo 3º, que causa a maior estupefacção, pois o uso das palavras não é inocente, considerada a diferença, não só linguística como também jurídica, entre o “pode” e o “deve”…Na sequência de tudo isto, verifica-se com assinalável desconfiança que no Orçamento de Estado para 2012 não consta qualquer referência à FAR. O “pode” saiu vencedor?

Quem conhece, como nós, as instalações da FAR em Lisboa, e mesmo as da APSL  talvez  perceba melhor o o mundo de diferenças quando se olha para a ANCCE (Asociación Nacional de Criadores de Caballos de Pura Raza Española)  e se vê porque é que algumas coisas são apenas diferentes, no aspecto e necessariamente no modo de as concretizar. Dúvidas que subsistam, assista-se ao vídeo, com comentários em inglês:

A 13 de Janeiro do corrente ano o jornal electrónico ionline publicava uma notícia da autoria de Isabel Tavares subordinada ao tema “Coudelaria Nacional: Fundação Alter Real com 500 cavalos ao deus-dará”.

Aí se dava conta das dificuldades de tesouraria, apelando o Senhor Presidente da Câmara de Alter do Chão, que tem assento no Conselho Geral da FAR, para os problemas vividos que, segundo o próprio, carecem de uma resposta “cabal e urgente” da senhora ministra da tutela Assunção Cristas, referindo-se a necessidade de um valor a rondar o 1,3 milhões de euros.

Ora, sem dinheiro, que gestão corrente faz a FAR? A que fundos recorre para cumprir as suas atribuições legais?? Qual o estado actual das contas, quais os encargos, quais as necessidades? Que dificuldades concretas atravessa a EPAE,  que se esperava que por ocasião do Centenário da República Portuguesa, deveria ver concluída a sua instalação “num espaço com 9000m2, “ que “incluiria “uma bancada de mil e quinhentos lugares e uma sala de espectáculos com uma capacidade próxima dos 5000 lugares sentados”, o que “permitiria à arte equestre nacional ganhar visibilidade e projecção turística, ao ser instalada num local de maior acessibilidade, comparativamente a Queluz e Alter”. As palavras eram do na altura Presidente do Conselho de Administração da FAR, Vítor Barros.Resta dizer que a notícia foi publicada em 21 de Junho de 2008 no jornal “Expresso”. O centenário da República foi em Outubro de 2010 e cá estamos, com as condições que se conhecem. Mérito e espírito de missão seja pois reconhecido aos cavaleiros da EPAE e pessoal auxiliar!

O recente leilão de Alter, por seu turno, constituiu no mínimo um fracasso, não só financeiramente como em termos de afluência de público, onde os machos de maior relevo registaram apenas um lance acima do valor de leilão…

A falta de dinamismo de Alter é patente e inequívoca.

Em súmula, face a tantas dúvidas e tantos propósitos por cumprir, e porque o património genético que a raça representa para o país é, recorde-se, “uma enorme responsabilidade”, é eivado desse espírito de responsabilidade, de quem prefere que não se chegue ao ponto de não retorno onde as culpas morrem sempre solteiras e onde os responsáveis deixam de o ser, por esta ou aquela razão que nunca ninguém jamais compreenderá, que se exige que o estado actual da FAR, da coudelaria de Alter e da CN seja devidamente demonstrado e explicado, no que à sua sustentabilidade económica e financeira diz respeito. Que gestão está a ser feita, o que já foi feito desde a instituição da FAR até à presente data, que sustentabilidade existe para a promoção de projectos e concretização das atribuições legais são questões essenciais que carecem, salvo melhor opinião, de ser trazidas a público.Urge a responsabilidade e urge também a responsabilização, antes que seja tarde demais e a crise acabe por ser, uma vez mais, a explicação de tudo e a de alguns, para todos.Quando, de um modo geral, adiamos a organização, a implementação de procedimentos o rigor e a vontade (que é aqui também necessariamente política) estamos apenas a adiar a raça, sendo que os cavalos são, e serão sempre, agentes silenciosos do seu próprio infortúnio. É que depois, quando é preciso, lá se chama a EPAE para o protocolo de Estado, para gáudio e elogio dos dignatários estrangeiros…Resta dizer que o portal Equisport contactou Alter no sentido de ser efectuada uma reportagem fotográfica destinada a ilustrar este escrito, a realizar por um profissional, que cederia gratuitamente algumas das fotos para o acervo fotográfico da coudelaria. A proposta de comparticipação nas despesas de deslocação e alojamento, por troca com a cedência gratuita das imagens, foi recusado.

Lisboa, 1 de Julho de 2012.
Nota: o signatário, após ponderação, decidiu abandonar o Acordo Ortográfico e por isso escreve na “antiga” ortografia portuguesa.

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