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Portugal e o cavalo Lusitano do momento

Por Rodrigo Coelho de Almeida

Julgo de grande sentido de oportunidade abordar um tema actual, e desmistificar algumas daquelas que eu entendo constituírem falsas questões. É ponto assente que os criatórios de todos os países devem encarar a criação numa óptica colaboracionista assente numa componente técnica permanentemente actualizada, pois o progresso de uns é sinónimo do progresso do colectivo. Foi com agrado que vi no programa Tribuna Lusitana o meu amigo Francisco Cancella de Abreu, dar uma “aula” acerca daquilo que devem ser as preocupações técnicas associadas à criação do cavalo Lusitano. É notório o baixo custo associado ao aporte alimentar que o Brasil pode dar à raça, é igualmente interessante verificar que os custos de produção são diminutos (ex.: mão de obra; veterinário; etc.), e que existe uma atitude de vanguarda e progresso. Tudo isto são factores reais que constituem as mais-valias do criatório brasileiro – é indiscutível!

É bom e saudável que haja diálogo, transparência, e diferenças de opinião! No entanto uma das falsas questões é a já propagandeada superioridade qualitativa do criatório brasileiro face ao português, conforme é abertamente enfatizado no programa brasileiro Tribuna Lusitana. Desde já afirmo publicamente que apesar de neste aparte pensar de forma diferente, assumo-me como parte do público deste programa televisionado, nutrindo o maior respeito e admiração pela qualidade do trabalho do seu apresentador e da respectiva equipa. É de evidente bom senso que haverá superioridade e inferioridade de ambos os lados, e que Portugal pode complementar algumas das deficiências brasileiras, assim como o Brasil poderá suprir algumas das deficiências Lusas. O mito do super Portugal ou super Brasil, para além de criar abismos entre os criadores de ambos os países, não passa de uma mensagem aliada ao marketing da ilusão. Os criadores não devem temer a concorrência dos seus pares, aliás é saudável que exista, pois só esta nos permite estar mais despertos para as essenciais antecipações e desequilíbrios que nos permitam criar procura e assim liderar. Há que estar atento à utilização de complementos!

O país de origem da raça é Portugal, foi este meio ambiente de grandes amplitudes térmicas entre estações, e de solos que contrastam entre as férteis terras de aluvião do Vale do Tejo, aos igualmente férteis barros de Beja, até aos solos pobres que caracterizam as terras de Charneca (quer a Alentejana quer a Ribatejana), e outros de igual preponderância, que a par das suas gentes, da Gineta e do Toureio, fizeram da raça um motivo de orgulho Internacional. A raça Lusitana é indiscutivelmente o espelho do povo português. Estas são mais-valias portuguesas e factores igualmente indiscutíveis!

Tal como não existem super homens, também não existem super cavalos! Existe uma aproximação maior ou menor, dependendo do nível de distanciamento, à meta consignada nos objectivos a que as coudelarias se propuserem. Seja em que raça for, independentemente da modalidade que estiver em causa, a perfeição é o “Santo Graal” do criador de cavalos.

No meio de tanto comparativo, será conveniente que todos os criadores do cavalo Lusitano não esqueçam que é a função que marca a qualidade de um cavalo ou égua. Há que desmistificar o hábito já enraizado e muito precipitado, de avaliar animais em cinco minutos de imediatismo e impaciência, sempre muito colados à tirania da estética. Demora anos a elevar um cavalo ao actual nível funcional do “Sal” FBA (Missisipe IGP x Maia FNP por Golegã FBA), contudo a vulgaridade da apreciação imediatista e derrotista rodeou os meandros do passado recente da carreira deste cavalo fantástico, conforme me confessou o seu proprietário, o Sr. Sérgio David, do International Gosto Equino.

É impressionante e ao mesmo tempo decepcionante que o baluarte da avaliação oficial da raça tenha atribuído 70,5 pontos a este cavalo, com uma nota de 7 em andamentos, quando se sabe que em dressage a qualidade dos andamentos é fundamental. É triste mas algo vai mal neste formato de avaliação disfuncional!A história de Portugal, a que melhor conheço, fala-nos de um país que sempre padeceu do mal de desconsiderar os “Santos da Terra”, situação tão bem enfatizada na frase popular “Santos da casa não fazem milagres”. Porque será que o conjunto “Sal”/Nuno Palma se notabilizaram na Alemanha a um nível de prestígio, que no decurso do tempo em que o cavalo cá esteve, Portugal nunca conseguiu perspectivar? É exactamente como a figura do português que se notabiliza melhor profissionalmente como emigrante, do que no país de origem. Algo vai mal na meritocracia portuguesa!

Há um paradoxo de posturas: a de alguns brasileiros que fazem do que é seu o melhor do mundo; e a de alguns portugueses que insistem em puxar para baixo os seus pares para se elevarem em bonitos bancos de madeira.  A situação presente da APSL e da FAR reflectem posturas, que devem ser consequentes com aquilo que se espera de entidades responsáveis.

O que deve de ser repensado:

1. A actualização do normativo vigente;
2. A modernização da avaliação de reprodutores – com base na função;
3. A incompatibilidade lógica entre a actividade de juiz/criador;
4. A reintrodução de fiáveis provas morfo-funcionais (avaliação da atleticidade e capacidade de resistência ao esforço);
5. A reintrodução da biometria;6. A constituição de bases de dados para se efectuarem as imprescindíveis correlações estatísticas;
7. A regularização da convivência administrativo-funcional entre a Fundação Alter Real e as congéneres Associações de criadores do cavalo de raça Lusitana dos diferentes países.

A qualidade de ambos os criatórios, brasileiro e português, podem ser facilmente ilustradas através das prestações de dois dos cavalos do momento: o “Relâmpago do Retiro” e o “Sal”. Que melhor exemplo da excelência do cavalo Lusitano, independentemente do seu país de origem. Pela recepção que o Francisco Cancella de Abreu teve no Brasil, dá para perspectivar que aí existe vontade de proceder à actualização dos métodos de selecção.

Em Portugal estamos a viver um ponto de viragem, que espero direccionado para a modernidade do melhoramento genético que se impõe.A utilidade julga-se em função de um propósito! A título de exemplo o projecto “Cavalias” do criador brasileiro Eduardo Fisher, é um bom exemplo do que um propósito associado à competição de alto nível, pode vir a fazer pelo culto da funcionalidade na raça Lusitana.

Vamos elevar o cavalo Lusitano em uníssono, sem perder de vista que a função, independentemente da forma como é “explorada”, é o seu melhor promotor!

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