por: Cor. Eduardo Netto de Almeida
Quando saiu a primeira edição do MANUAL OFICIAL DE FORMAÇÃO EQUESTRE (volume I – selas 1,2,3 e 4), o Conselho Superior Pedagógico (C.S.P.) da Escola Nacional de Equitação (E.N.E.), nessa altura ainda dirigido pelo Cor. Manuel Veloso, apresentou uma série de considerandos, que pretendiam melhorar aquele trabalho, e com os quais eu concordei em quase 100%, e que terminava assim: A terminar, desejamos afirmar que esta proposta não pretende criticar, mas tão só melhorar este Manual que, em nossa opinião, constitui uma peça fundamental e de muito mérito para a Formação, mas entendemos também que qualquer alteração de Doutrina, ou tão só da forma de dizer e tratar os conceitos equestres, ou até simplesmente mudar os nomes às coisas, não é útil e fomenta confusões.
Referimo-nos a conceitos e vocábulos tratados e definidos em publicações mais ou menos importantes (algumas até vendidas pela FEP aos Docentes Profissionais já formados) e que têm servido de suporte ao ensino da equitação entre nós.É importante que todos os intervenientes na Equitação, sejam Professores, Alunos ou simples Praticantes, dêem os mesmos nomes às mesmas coisas.Porque estou inteiramente de acordo com o que aqui está afirmado, e porque tenho visto escritos textos nos quais não encontro o significado de assiette que eu defendo, apeteceu-me escrever umas ligeiras considerações sobre este assunto.Primeiro que tudo porque se trata de um termo francês, fui ver o que se encontrava no LARROUSSE. E encontrei o seguinte: manière d’être assis à cheval (maneira de estar sentado a cavalo), o que é muito diferente da normal tradução de assento, encontrada muitas vezes entre nós.
No site de DRESSAGE PORTUGAL encontrei um artigo de Miguel Ralão Duarte sobre a influência da posição do cavaleiro no desempenho do cavalo no qual, quase no fim, apresenta uma imagem que eu não conhecia e que acho feliz: o cavaleiro principiante deve começar por pensar que é um cavaleiro sem braços nem pernas e assim estabilizar o seu tronco sem a ajuda da força das pernas agarradas ao arreio ou das mãos agarradas às rédeas. Só depois de atingido este objectivo, a utilização das pernas e das mãos poderá ser totalmente independente e controlada.
E termina: toda e qualquer actividade equestre é mais tecnicamente correcta e esteticamente apelativa, quanto maior for a harmonia entre o cavalo e o cavaleiro, e isto só é possível atingir com o controlo da nossa postura no arreio.Pois aquilo a que eu chamo assiette é a esta postura no arreio, ou seja, a colocação em sela, o que está de acordo com o que diz o Larrousse.
E porquê esta preocupação com a colocação em sela? Porque dela depende a ligação do cavaleiro ao “movimento” do cavalo. Não ao cavalo. São duas coisas totalmente diferentes. O cavaleiro tem que se ligar ao movimento do cavalo para que este não sinta que leva às costas um saco que lhe dificulta a execução, com elegância, dos movimentos que o cavaleiro lhe pede.
E aqui entra o texto de Miguel Ralão Duarte, pois a maneira de o cavaleiro se ligar ao movimento do cavalo tem a ver com a movimentação das articulações do seu tronco, principalmente a cintura, em harmonia com as do dorso do cavalo causadas pela necessidade dos seus andamentos.Na colocação em sela há dois pontos chave sem os quais nada se consegue: flexibilidade e equilíbrio. Á flexibilidade do tronco acabo de me referir. Para que haja equilíbrio o cavaleiro tem que se instalar na sela “apoiado” no períneo, e não nos ossos da bacia (assento), para que, posteriormente, as pernas possam ter as coxas o mais perto possível da vertical, conforme consta dos desenhos indicados abaixo e copiados do Reg. de Dressage da F.E.P.. E só com as coxas nesta posição é possível que as pernas se “encostem” aos flancos do cavalo de forma a, com suavidade e oportunidade, lhe darem as indicações necessárias para que ele compreenda o que o cavaleiro lhe quer transmitir. É só também, após cumpridas estas condições de flexibilidade e equilíbrio, que as mãos podem procurar tomar o “contacto” com a boca do cavalo, “contacto” este maravilhosamente definido no Reg. de Dressage da F.E.P. como a maneira constante suave e elástica como o cavalo de instala na mão do cavaleiro.
Acho esta definição muito boa, pois, em duas linhas descreve todas as características que o contacto deve ter. “Constante suave e elástica” – define precisamente aquilo que desejamos sentir na mão, quando montamos qualquer cavalo bem ensinado. “Instala na mão do cavaleiro” – estamos a vermo-nos a instalarmo-nos num cadeirão da maneira mais cómoda possível; assim também o cavalo se deve instalar da maneira mais cómoda na mão do cavaleiro. Porque desde que o cavalo se sinta cómodo, está pronto a aceitar, com boa vontade, todas as exigências que o cavaleiro lhe fizer.
Chamo a atenção para os diferentes termos com que designei coisas diferentes: apoio do corpo, por meio do “períneo” no arreio, encosto das pernas ao flanco do cavalo e contacto da mão do cavaleiro com a sua boca. A estas diferentes designações me obriga o facto de F.E.P. através do seu Reg. de Dressage ter definido o que é contacto, o que faz com que eu não possa empregar este termo com qualquer outro significado, isto para que nos entendamos com facilidade.
E agora o que queremos dizer quando afirmamos que é preciso empurrar com o assiette? Já vimos que não é com o assento, pois nem sequer nos devemos apoiar nele, mas sim no períneo. Também já vimos que uma das qualidades da boa colocação em sela é o equilíbrio. Portanto o cavaleiro para empurrar com o assiette tem que manter o equilíbrio e, aumentando um pouco a amplitude de abertura e fecho de todas as suas articulações, em cadência com os movimentos do cavalo, faz-lhe sentir que tem que aumentar o seu desejo de “andar para diante”, para bem executar o que o cavaleiro lhe pede. Isto nada tem a ver com o cavaleiro sentado bem atrás e pernas para a frente a procurar fazer “surf” em cima do cavalo.
É, portanto uma acção que tem que resultar da própria colocação em sela que deve ser naturalmente propulsiva, e tem que ter o empenhamento de todas as articulações do corpo do cavaleiro.
Os alemães Steinbrecht e Podhajsky referem frequentemente o assiette como origem de impulsão, sendo que este último autor preconiza, quase sempre, o emprego simultâneo do assiette e das pernas.O Regulamento de Dressage trás um desenho (aqui reproduzido) que traduz muito bem o que se deve considerar como boa colocação em sela.
Sobre o texto de M. Ralão Duarte que transcrevi acima, quero fazer algumas considerações sobre estabilizar o corpo sem a força das pernas ou das mãos. Penso que isto significa que o tronco deve estar completamente descontraído e apto a absorver e anular todos os movimentos com que o corpo do cavalo nos agride, única maneira de, futuramente, as mãos e as pernas, também descontraídas, poderem executar acções justas e precisas. E também apoiado no arreio, não pelos ossos da bacia mas pelo períneo, para que a vertical do tronco possa passar no calcanhar, como está no desenho, acima, única maneira de se conseguir um bom equilíbrio a cavalo, tudo isto com o objectivo de as mãos e as pernas poderem estar imóveis em relação, respectivamente à boca do cavalo e ao seu costado para que as suas ajudas possam ser precisas e justas como disse umas linhas acima, mas não me canso de repetir.
Mas, ainda sobre a tradução de assiette por assento, fui encontrar no Regulamento de Dressage da FEP, o seguinte:
Artº. 470 – Posição e ajudas do cavaleiro (Artº. 418 do RD FEI).1 – …2 – O assento tem uma importância tão grande como a acção das pernas ou das mãos. Somente um cavaleiro sabendo soltar ou fixar a região lombar no momento certo está em condições de agir correctamente sobre o cavalo.Alguns comentários:
• Não gosto do termo POSIÇÃO pois dá-me a noção de um conceito muito estático. Gosto mais de COLOCAÇÃO EM SELA que traduz um conceito mais dinâmico.
• E, além disso, o que é que tem a ver o “assento” com “soltar ou fixar a região lombar no momento certo”?. É a tal tradução de “assiette” que nada tem a ver com “assento”, como me pareceE já que estamos a tratar de colocação em sela, parece oportuno dizer qualquer coisa com respeito aos exercícios a efectuar para que se conseguir uma assiette correcta.Na pág. 63 da 2ª edição do Manual foram incluídos uns desenhos, que reproduzo na página seguinte, que querem significar alguns exercícios de flexibilização para se conseguir uma boa assiette. Não se percebe porque foram incluídos nesta pág., e não noutra qualquer, pois não têm qualquer conecção com o texto ou com o capítulo no qual foram inseridos.
Façamos uma ligeira análise:
• O nº 1 é inútil. Basta dizer que em 90% do nosso tempo estamos numa posição de sentado (á secretária ou no computador ou à mesa a comer) e com as coxas juntas (músculos costureiros não alongados), enquanto que, a cavalo, temos que estar descontraídos numa posição como que dobrada para trás para que a vertical dos ombros passe pelo calcanhar (costureiros alongados), o que custa a conseguir. Por isso não há qualquer vantagem em levantar os joelhos. Além disto acontece que dou um doce a quem conseguir fazer este exercício, com as duas coxas elevadas (foto 1 abaixo indicada), a trote, por mais de meia dúzia de passos, e muito menos a galope como refere a descrição.
• Em todos os restantes, tirando talvez o nº2, as coxas não estão minimamente descidas.
• No nº 3 o calcanhar tem que ser atirado mais para trás, para que a coxa fique vertical. A finalidade é ginasticar a articulação da coxa e não a do joelho.
• O nº 7 é uma anedota. Parece ter como finalidade aumentar a amplitude de flexibilidade da cintura. Devo dizer que nunca encontrei nenhum cavaleiro que tivesse necessidade disso. De descontracção, sim. De falta de amplitude, não. E o 1º exercício do nº 7 está completamente errado. Para chegar com as mãos o mais abaixo possível, a execução é a que está exemplificada na foto 2 (abaixo indicada) com o bico do pé para cima e a barriga da perna fortemente abraçada ao cavalo para manter o equilíbrio e a solidez.
Desculpem a falta de “à vontade” mas os 84 não perdoam. E quanto á 2ª posição do nº 7: para se dar prioridade à descontracção, todos os exercícios devem ser feitos em equilíbrio sem necessidade de apoios exteriores ao corpo. Para fazer assim não é preciso o cavalo para nada. N.B. Para aumentar as imagens do artigo, basta clicar com o botão esquerdo do rato sobre as mesmas.
E, em minha opinião, falta um exercício que considero indispensável para se obter a flexibilidade dos braços: com os cavalos a galope e sem rédeas, fazer, com as mãos, um acompanhamento, muito exagerado, dos movimentos da boca do cavalo. Quando era instruendo do meu Curso de Equitação, chamávamos a este exercício: murros na direcção da boca do cavalo.
Pode parecer estranho que faça esta crítica quando na pág. III desta 2ª edição figuro como autor. Quero explicar que não fui consultado para opinar sobre as alterações introduzidas pelas observações indicadas pelo C.S.P. da E.N.E., de que só tive conhecimento quando saiu esta 2ª edição, e que os desenhos aqui reproduzidos também não são da autoria do Eng. Pedro Dória, como está afirmado na mesma página. Não faço a mínima ideia de onde foram copiados.
Por estas razões resolvi não autorizar que, na futura 3ª edição, que há dois anos me foi afirmado que sairia brevemente (o que ainda não aconteceu), figurasse o meu nome como autor.
Ainda, oportunamante, propus a substituição dos desenhos acima indicados pelos que apresento a seguir, feitos pelo Eng. Pedro Dória, mas foi-me respondido que por urgência da publicação da 3ª edição do Manual tal não era possível. Isto passou-se há mais de dois anos e o Manual ainda não apareceu.
Se compararmos estes desenhos com os anteriores, verificamos:
• O nº 1 desapareceu.
• De uma maneira geral as coxas estão mais verticais.
• No nº 2 o calcanhar está mais puxado para trás para que a coxa esteja mais vertical.
• Desapareceram os dois exercícios nº 7.
• Aparece um exercício novo nº7: murros na direcção da boca do cavalo, para flexibilização dos braço e ombros.
N.B. Para aumentar as imagens do artigo, basta clicar com o botão esquerdo do rato sobre as mesmas.