Considerações sobre o ENSINO DA EQUITAÇÃO: Equitadores, Instrutores e inquietadores Equestres…
Texto: Dr. Henrique Cymbron.
Sempre ouvi dizer que o Coronel Mena e Silva – cavaleiro olímpico em várias modalidades – costumava dizer que, em EQUITAÇÃO, quem sabe, sabe. Quem não sabe ensina.
A frase contém na realidade alguma veracidade, pois existem bons equitadores que não sabem como ensinar. Como existem muito bons instrutores ou professores que não foram cavaleiros de grandes resultados desportivos, por variadíssimas razões que não a correta prática da equitação. É que para se ensinar equitação é necessário saber fazer, e isso é claramente IMPRESCINDÍVEL. Mas é também necessário saber transmitir esse conhecimento e, para tal, é necessário dominar os seus conceitos e os seus princípios para se poder explicar: o que se quer, para que se quer, como se obter e, finalmente, como deve parecer ou aparecer.
A equitação é um conjunto de princípios e conceitos que devem orientar as ações do cavaleiro, permitindo-o desenvolver a sensibilidade necessária ou, se desejarmos uma palavra mais emotiva, “um sentimento” para transmitir ao cavalo as suas orientações de forma a atingir os objetivos propostos, isto é, de forma a tornar-se influente sobre o cavalo e que essa influência resulte num cavalo bem-ensinado. Existem, portanto, duas componentes distintas no ensino da prática da equitação: uma TÉCNICA e outra SENSÍVEL, o tal “Feeling”. Estas componentes têm obrigatoriamente que estar presentes seja qual for o método ou processo que estejamos a utilizar para o ensino da equitação.
Tomemos alguns exemplos: Um cavaleiro que inicia o ensino de um cavalo novo tem de saber usar o principio da equitação elementar, precisamente, “mãos sem pernas e pernas sem mãos”. Um cavaleiro principiante, para além, como é lógico, das bases da colocação em sela, tem de aprender o principio da ação das mãos, ou seja, “as mãos conduzem, resistem e cedem”. Tem de aprender o correto uso das meias paragens ou das ajudas laterais e das ajudas diagonais. No seu tempo adequado, deverá compreender o principio da equitação complementar, “a uma ação de mão uma resistência de pernas, a uma ação de pernas uma resistência de mão” e por aí adiante.
A este propósito do ensino da equitação, há algum tempo atrás, perguntei a um miúdo que anda a fazer um curso de Gestão Equina, que, julgo eu, é também um curso de cavaleiro: em termos de teoria da equitação o que é que dão? A resposta foi vaga e praticamente informou que estudavam os regulamentos. Ora isto intriga-me um pouco porque, o regulamento equestre da modalidade de ensino (excelente documento), traça o quadro teórico de como se devem apresentar os conjuntos no desenvolvimento dos exercícios equestres e na aplicação da escala de treino. Mas não ensina a prática dos princípios equestres que vão permitir desenvolver, com a qualidade pretendida no regulamento, esses exercícios.
Consideremos que esta situação aqui retratada referente ao ensino nestes cursos não passa de um equívoco meu e do miúdo. Mas esta situação serve para expor a ideia que o ensino da equitação que eu considero que anda a fazer falta, situa-se a montante do que está descrito nos regulamentos de ensino. É por essa mesma razão que, como é sabido, não é necessário um juiz saber montar a cavalo para que possa ser um bom juiz. Embora, em minha opinião, é manifestamente uma mais valia quando um juiz sabe de equitação, principalmente para a avaliação de classes de formação. Isto porque, se em política, o principio “O QUE PARECE É” aplica-se frequentemente, em equitação a coisa já não é bem assim.
A prática da equitação é uma atividade física e a sua génese é ELEMENTAR. Todavia, pelo facto de envolver o treino físico e psíquico de um outro animal, com caraterísticas e vontade própria, ela reveste-se de alguma complexidade.
Quando aqui falo de conhecimentos teóricos no ensino da equitação não estou obviamente a falar do instrutor desbobinar longas dissertações de teoria equestre durante as aulas práticas. Contudo, a já alguma experiência de ensino que vou tendo, ensinou-me que é muito difícil transmitir uma base sólida que permita um aluno evoluir satisfatoriamente com um cavalo ou mais cavalos, e isto ainda mais quando se trata de cavalos de difícil ensino, sem que exista o mínimo de conhecimento dos conceitos base da equitação e dos objetivos a prosseguir no ensino desta. No fundo, FALARMOS A MESMA LINGUAGEM. Esta necessidade é ainda maior quando falamos do ensino de futuros cavaleiros profissionais, já para não falar de instrutores ou professores de equitação.
Verifico, no entanto, pelos alunos que me vão chegando e pelas conversas que tenho com outros jovens cavaleiros, que o conhecimento sobre esta elementar matéria equestre é, na maioria dos casos, rudimentar e, em alguns mesmo inexistente.
Não me espanta muito que isto aconteça a avaliar pelas aulas que vou podendo assistir por muitos picadeiros deste nosso país de cavaleiros. É usual encontrar instrutores que mal começam a aula, começam aos berros com o aluno (talvez para descarregar as suas frustrações) a palrar ordens do tipo puxa para cima, agarra mais assim ou assado etc, em que os conceitos equestres para designar as corretas ações a efetuar são praticamente inexistentes. Devemos fazer aqui um parêntesis para distinguir o berrar do falar alto, o que é muitas vezes necessário num picadeiro. Não menos vulgar são outros que enriquecem o seu discurso com pomposos palavrões do tipo F…; C… meu cabrão etc. e tal, na esperança que a adjetivação empregue transmita o conhecimento equestre em falta para que o aluno tenha êxito na sua prática. São o que costumo apelidar de INQUIETADORES, instrutores da equitação do faz assim, faz assado.
A atual moda do uso de auriculares tem pelo menos a vantagem de expor menos esse triste quadro, no entanto, em muitos desses casos, ao olharmos para a forma que vai andando o cavalo e o cavaleiro podemos facilmente perceber a qualidade dos conhecimentos transmitidos.
Relativamente ao ensino de cavalos, também tenho encontrado equitadores que se têm em grande consideração, mas que, lamentavelmente, nunca nenhum cavalo é suficientemente bom para eles. Nestes casos, apetece-me sempre dizer como dizia o meu tio Albano de Oliveira: Quem me dera ser como este “gajo” pensa que é…
Para que um cavalo consiga fazer todos os exercícios de equitação com elevada qualidade técnica é necessário que tenha na realidade uma elevada aptidão para isso, mas quando os cavalos pura e simplesmente não conseguem fazer os exercícios, a culpa, na esmagadora maioria das vezes, é do cavaleiro.
O desenvolvimento da prática da equitação de competição tem sido um excelente instrumento para o desenvolvimento da equitação, porém, a este nível do ensino de cavalos e cavaleiros, especialmente em equitadores ou instrutores menos experientes, tem desenvolvido alguma pressão com a necessidade de ter resultados, que não lhes é benéfico para a prática da equitação e das aulas que dão. No âmbito da modalidade de ensino, tem também desenvolvido um novo método que pretende transformar qualquer “pileco” num Totilas, sendo o resultado dessa prática, uma equitação que, no mínimo, é ridícula.
É que no ensino da equitação quer a cavalos quer a cavaleiros não pode haver pressas, nem resultados a curto prazo, que na maioria das vezes são apenas fraudes no desenvolvimento do correto ensino da equitação. Os verdadeiros efeitos de uma boa equitação levam tempo a consolidar e esse tempo é tanto maior quanto maior forem as dificuldades do nosso cavalo. Bem sei que existem hoje cavaleiros que só montam cavalos bons, daqueles que já nasceram quase ensinados, e nesses casos, a tarefa está evidentemente facilitada à partida. No caso do ensino dos cavaleiros, se tiverem a oportunidade de ter um cavalo com idade e corretamente ensinado também têm, como o código postal, meio caminho andado.
Julgo que é importante transmitir a ideia que, quando se ensina equitação a alguém, e com particular realce para os jovens, o professor deve ter a noção que, para além de pretender obter aqui e agora um determinado resultado para a correta execução de um exercício, está, simultaneamente, a ensinar um quadro teórico que será orientador desse jovem na prática desta modalidade durante a sua vida. Por isso, é fundamental que seja minimamente compreendido pelo instruendo a razão da aplicação desta ou daquela técnica e o seu conceito.
É necessário fazer cada conjunto compreender que a prática da competição desportiva, seja em que modalidade for, é muito mais um teste, ou se quisermos, uma competição entre o cavaleiro e o seu cavalo do que a ganância para ganhar o outro. Que para se chegar aos bons resultados é preciso saber esperar. Que não há resultados se não compreendermos e aceitarmos o cavalo que temos.
É necessário ainda fazer ver que, por mais dotado que um cavalo seja, não nasce ensinado nem musculado e, portanto, é normal que faça erros durante o seu ensino, pelo que o melhor método, como refere o Coronel Jorge Matias no seu livro, é: primeiro, fazer compreender o exercício; depois tentar obter os primeiros passos; só depois pensar na perfeição.
Sempre com EQUITAÇÃO.
Este método também se aplica ao ensino dos cavaleiros.
Paiol, 2 de Janeiro de 2018.