Equilíbrio e Impulsão em Equitação
Texto: Dr. Henrique Cymbron.
O presente artigo foi escrito em 2017 no decorrer do campeonato de ensino regional e visava dar o meu contributo aos jovens cavaleiros que estavam a participar nesse campeonato. Todavia, como estas questões são sempre mais ou menos atuais, aqui partilho convosco.
Antes de mais, gostaria de fazer aqui um parêntesis para informar, aos que por ventura possam julgar que eu tenho alguma coisa contra a dressage, pois, na verdade, nada mais errado. Sou acima de tudo um apaixonado pela equitação e como tal, “babo-me” a ver boa equitação seja em que modalidade for incluindo, como é lógico, o Ensino de Competição. Tanto me emociono com uma prova do Carl Hester, como com uma prova do Marcus Ehning ou do Fox Pitt. Para não ser acusado de machista, Dorothy Schneider, Pénélope Leprevost e Nicola Wilson. Para mim é tudo equitação de excelência. Exemplos a seguir.
Posto o parêntesis, vamos então ao busílis proposto, equilíbrio e impulsão em equitação.
Comecei a montar a cavalo de forma regular com os meus nove anos de idade no picadeiro de Mestre João Resendes. Desde muito cedo revelei interesse por aprofundar os meus conhecimentos equestres e fui assim lendo e vendo tudo o que foi possível “agarrar”. Em toda essa informação, existem sempre frases que nos ficam na memória e que definem uma forma de abordar a equitação, uma filosofia de ação.
Nos primeiros livros que comprei, de alguns clássicos como por exemplo “Equitação” de D. José Manuel da Cunha Meneses, normalmente existia sempre um capitulo “A Culpa é do Homem”, ou várias chamadas de atenção a essa temática. Curiosamente, nas publicações mais recentes que vou lendo essa temática tende a ser esquecida. Para isso contribuiu a extraordinária melhoria dos cavalos que hoje existem disponíveis para a prática da equitação, no entanto, não me deixa de fazer pensar quando vejo, com alguma frequência, os cavaleiros a colocarem nos cavalos as culpas dos seus insucessos.
O Eng. Fernando Sommer de Andrade deu uma definição de equitação que me ficou na memória e que refere o seguinte: A ciência da equitação é elementar e resume-se ao equilíbrio do cavalo sobre o peso do cavaleiro e na boa vontade dele em obedecer.
Recordo também do Duque de Lafões a ideia de que, sempre que surgiu uma nova raça de cavalos, uma nova abordagem da equitação se desenvolveu.
Do Coronel Neto de Almeida relembro a noção de que a equitação inclui um conjunto de princípios métodos e processos. Assim, para que possa “existir equitação”, os princípios equestres têm de ser respeitados por todos. Os métodos podem ser vários, e os processos aqueles que a imaginação humana possa inventar, desde que ambos, métodos e processos, sejam lógicos, respeitem os princípios equestres e estejam de acordo com a psicologia do cavalo.
De Hubertus Schmidt ”King of Classic”, para mim sempre uma grande referência: “Collection is not slower or shorter, collection is more cadence, more energy behind”.
De Cristoph Hess a frase: Dressage é HARMONIA e EQUILÍBRIO.
Vem tudo isto a propósito de que, para podermos ter um cavalo de facto ensinado, podemos seguir vários métodos, mas temos que ter um animal física e psiquicamente EQUILIBRADO, pois só este cumpre os princípios que constituem a equitação.
A questão é então qual é esse equilíbrio e como se pode chegar a ele.
Para responder a essa questão é indispensável que saibamos analisar as características físicas dos cavalos que temos e a aptidão desportiva dos mesmos, mas também temos de compreender, para todos os cavalos, como se conjuga a relação EQUILÍBRIO e IMPULSÃO.
Sem querer teorizar demasiado, pois para isso já existe informação disponível suficiente e de melhor qualidade que a minha, referiria que quando se fala de equilíbrio em equitação estamos a falar em equilíbrio dinâmico, isto é, equilíbrio em movimento.
Apenas para os menos conhecedores, o cavalo em estado natural tem o seu centro de gravidade deslocado mais sobre os anteriores para assim poder deslocar-se com menor esforço. No entanto, numa situação de perigo ou de vontade de libertar energia, eles são capazes de trazer o centro de gravidade atrás, equilibrando-se, e permitindo realizar andamentos de extraordinária agilidade e beleza. Ora é esse equilíbrio que o cavaleiro terá de reconstruir para poder, de forma harmoniosa, mas enérgica, realizar uma prova de dressage ou de obstáculos ou de Cross-country. Considera-se assim dois tipos de equilíbrio: o EQUILÍBRIO HORIZONTAL em que existe uma repartição do peso do cavalo mais igualitária entre os membros anteriores e posteriores, e o EQUILÍBRIO VERTICAL em que existe uma maior sobrecarga do peso sobre os posteriores permitindo uma maior liberdade de espáduas e um maior grau de concentração dos andamentos do cavalo. Nem todos os cavalos podem atingir um elevado grau de equilíbrio vertical. Para esses cavalos são mais indicadas as modalidades de CCE ou obstáculos que a dressage.
Vamos então definir um CAVALO EQUILIBRADO como aquele que se desloca com uma adequada distribuição do seu peso, por forma a não descair quando descreve os exercícios de equitação que lhe são exigidos, dando a impressão que os realiza por vontade própria.
Como o cavalo de equitação tem de suportar o peso do indivíduo que o monta, é obrigatório que seja feito todo um trabalho ginástico de preparação do cavalo, para poder suportar o peso do cavaleiro sem que se destrua fisicamente.
Nesse trabalho de construção física dos cavalos existem dois tipos de resistências ou percas de equilíbrio que surgem como defesas do cavalo. De forma abreviada, temos as resistências de peso que consistem em o cavalo pesar na mão do cavaleiro por debruçar-se sobre as espáduas ou, inversamente, furtar-se ao contacto com a mão por trazer o centro de gravidade demasiado atrás, como se diz na gíria, “acuar-se”. As resistências de força resultam da contração de músculos do cavalo evitando assim que o cavalo chegue à simetria de movimentos indispensável à correta execução dos exercícios de escola.
Como é conhecido, os cavalos não são ambidestros, não têm a mesma agilidade e força numa diagonal que têm na outra. Estão assim naturalmente encurvados a um lado. Portanto, tem um lado estendido (convexo) e o outro encolhido (côncavo). Esta situação predispõe para o surgimento das resistências de força acima referidas.
Para resolvermos estas limitações a fim de termos um cavalo calmo, direito e para diante (na expressão do General L’Hotte), tradicionalmente, existiam duas escolas que pretendiam chegar a esses objetivos por caminhos diferentes. Flexionista e Impulsionista.
Quanto aos primeiros, procuravam resolver o problema pela destruição da resistência do lado endurecido, quanto aos segundos, através do movimento para diante procuravam estender o lado encolhido do cavalo, chegando assim à retitude e descontração do cavalo.
Apraz aqui dizer que a equitação, no ensino de competição, por influência da escola alemã, é hoje de caris impulsionista, e assim sendo, consideramos esse o método comum de utilizar. Também eu fui sempre um cavaleiro tendencialmente impulsionista na minha forma de montar, no entanto, uma coisa é preconizarmos o método impulsionista, outra coisa é não compreendermos o cavalo que temos de trabalhar e, se calhar, até o próprio método que queremos utilizar. Na realidade, julgo que todos temos de utilizar ambos os métodos consoante as caraterísticas do cavalo e das resistências que temos de combater.
Faz-me sempre muita impressão ver “cavaleiros” a destruírem cavalos porque não se adaptam ao método que querem ou julgam utilizar…
Analisemos agora a IMPULSÃO.
A impulsão é a energia retida que permite ao cavalo manter uma permanente vontade de avançar. Na definição da FEP: vontade de avançar com passadas amplas e elásticas e dorso ondulante.
A relação entre equilíbrio e impulsão tende a ser inversamente proporcional, ou seja, quando melhoramos o equilíbrio temos tendência em perder impulsão, e vice versa. Na minha opinião, para resolvermos este problema temos de fazer a impulsão NASCER do equilíbrio do cavalo.
Refere o Dr. Luís Lupi que ao contrário do que possa parecer, os cavalos com impulsão natural muito desenvolvida podem tornar-se difíceis de treinar pois não são capazes de variar o comprimento das passadas e manter o ritmo a souplesse e a impulsão. Assim a impulsão desejada é a adquirida pelo treino e não a congénita.
Para adquirirmos esta impulsão desejada temos de CONQUISTAR a vontade de avançar do cavalo, procurando dominar-lhe as espáduas e as ancas de forma a podermos COLOCAR as espáduas à frente da garupa. Seguidamente, adquirido já o equilíbrio horizontal, vamos por meio dos trabalhos laterais e das variações de andamento (transições e meias paragens) fazer com que o cavalo vá carregando cada vez mais peso sobre os posteriores. Ora, como o cavalo é um animal de defesa cuja sua principal defesa é a fuga para a frente, reage a essa transferência de peso, desenvolvendo uma enérgica vontade de avançar a que designamos por IMPULSÃO, a qual o cavaleiro vai GERIR ao longo dos trabalhos que pretende realizar. Para que o cavaleiro possa gerir essa impulsão é fundamental construir uma “boa mão”, uma mão permissiva, que mantém o contato, mas deixa passar a impulsão. Para que não fique qualquer dúvida, refiro que o conceito de ligeireza da mão que falamos nada tem a ver com rédeas bambas e cavalos a dar aos dentes. Aconselharia a verem com atenção alguns vídeos de cavaleiros “finos” como Hester ou Schmidt, ou, se quisermos mais próximo do nosso cavalo ibérico, Juan Muñoz Diaz.
Deste modo, gostaria desde já de deixar claro que não se constrói a verdadeira impulsão com cavalos a correr à volta da pista, com os cavaleiros agarrados aos “queixos” dos cavalos a puxar para trás, numa espécie de ski equestre, com os calcanhares para cima e as pernas trancadas nos cavalos,. Recordo que existe uma modalidade de ski com cavalos na neve, mas os indivíduos vão atrás dos cavalos e não encima.
Consequentemente a essa atitude, os cavalos vão constantemente a cair sobre a rédea de dentro em permanente perca de equilíbrio, incapazes de desenharem um canto ou um circulo em atitude equilibrada, a chegar à rédea de fora com a encurvação necessária. Partem para os trotes médios e largos com evidente dissociação negativa do trote. Na maioria dos casos, apoiados na mão do cavaleiro. Talvez faça falta falarmos da diferença entre contacto (o desejável) e apoio (sempre indesejável), mas fica para outras núpcias.
Gostaria assim de deixar a ideia de que a impulsão” armazena-se”, não se “impõe à força”, como se vê muito, hoje, em todo este nosso país hípico.
O afamado treinador alemão Hinnemann’s salienta: “Rhythm and suppleness, these are the most importante things. And that is the correct order of traning. Rhythm, suppleness, contact and then impulsion – not forced impulsion”.
Salientaria ainda que a base do trabalho do cavalo é o círculo e que a correta retitude atinge-se por montar o cavalo encostado à rédea de fora.
Gostaria também de sublinhar que a atitude baixa e comprida é um bom exercício, mas não deve ser usado em demasia e não é para todos os cavalos. Francisco Cancella de Abreu num vídeo de propaganda do Spartacus referia que essa atitude, nas mãos de cavaleiros pouco experientes, pode mergulhar os cavalos em espáduas de forma irremediável. E isso, é tão mais verdade, quando falamos de cavalos lusitanos.
Alguns de vós, ao lerem estes meus comentários dirão: Ah, mais uma enxurrada de verdades de La Palisse. E de facto assim é. Contudo, quando vamos para a prática, não me parece que estejam assim tão evidentes na cabeça dos cavaleiros que por aí andam. É que existe uma diferença grande entre não conseguir fazer bem, o que é normalíssimo, e não saber o que se anda a fazer. Desenvolve-se hoje uma “equitação de decoradeira” que em nada abona a favor dos corretos princípios equestres.
É comum vermos, nas provas, cavaleiros a desenhar bem, mas a montar mal… o que é um paradoxo, mas é real.
Normalmente o maior inimigo da boa equitação é o EGO dos cavaleiros.