Homenagem ao meu Pai Carlos Rosa Santos
Carlos Rosa Santos foi uma pessoa singular e especial. Quem o conheceu bem não seria capaz de o descrever sem mencionar a sua grande paixão por cavalos. Nada mexia mais com ele, nada o fazia mais feliz, ou por vezes até triste, do que a ligação aos cavalos. Uma paixão que o levou a fazer equitação como desporto, com um especial interesse por obstáculos, a estudar medicina veterinária, a dedicar uma vida ao estudo de doenças equinas e os seus tratamentos, tradicionais e homeopáticos, e a insistir em ensinar a sua mulher, filhas e netas a montar a cavalo.
O meu Pai nasceu em Lourenço Marques, agora Maputo, em Moçambique onde também nasci. Lembro-me que o meu Pai foi feliz em muitos sítios, mas sei que a terra que ele mais adorava era Moçambique. Ali começou a montar aos 5 anos de idade e lembro-me de ouvir histórias infindáveis sobre a sua infância nesse país. O Pai frequentou depois o Colégio Militar, em Lisboa, desde os 8 até aos 18 anos de idade, como aluno interno. Nunca falou muito sobre este período da sua vida e eu sei o quão foi difícil para ele estar tão longe da sua família, que permaneceu em Moçambique. Mas também sabemos que foi aqui que fez muitos amigos para a vida. Foi nesse lugar, onde concursou competitivamente, que a sua maior paixão por cavalos teve início. Após o liceu, voltou a Lourenço Marques para estudar medicina veterinária. Porém, por força da Guerra da Independência, teve de completar a sua licenciatura na Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa.
Após a sua licenciatura, o meu Pai e a minha mãe decidiram mudar-se para a África do Sul. O Pai adquiriu uma experiência preciosa em várias clínicas veterinárias em Joanesburgo, situadas em Highlands North, Rosettenville, Bedfordview e Kensington. Exerceu também a sua atividade em hospitais veterinários equestres de renome, tais como Wendywood, Edenvale e Newmarket, onde nós todos vivemos porque era o veterinário residente dos hipódromos, para as corridas de cavalos.
Das várias publicações, entrevistas que deu ao longo das décadas, bem como recortes de jornais, foi-me possível juntar alguns factos sobre a vida e a carreira do Pai.
Em Abril de 1982, o Ministro da Agricultura nomeou o meu Pai como Diretor dos Serviços Veterinários da República de Transkei, um estado na região sudeste da África do Sul. A capital era Umtata, onde a minha irmã nasceu, que era também a terra de Nelson Mandela.
O meu Pai, na qualidade de Diretor dos Serviços Veterinários, um cargo público, era responsável por supervisionar o trabalho de 1.500 funcionários, dos quais 25 eram veterinários, bem como por supervisionar o controlo sanitário de todas as manadas existentes em Transkei, incluindo 2.3 milhões de ovinos, 1,5 milhões de bovinos, 1,2 milhões de caprinos, 100.000 cavalos e 80.000 suinos.
Era também pessoalmente responsável pelo controlo de doenças infecciosas entre os animais, incluindo programas direcionados a erradicar a tuberculose e a brucelose em bovinos, a sarna psorotica em ovinos a daurina e a peste equina africana. No Departamento de Serviços Veterinários, que o Pai supervisionou, encontrava-se instalado um laboratório para testagem de amostras de animais mortos, com vista à identificação de doenças, uma unidade de patologia para processamento de espécimes e para produção de vacinas. Em 1979 e 1980, supervisionou o planeamento e controlo de campanhas de inoculação, que preveniram a disseminação da raiva em Transkei.
O Pai foi responsável por estabelecer várias reservas naturais ao longo do Wild Coast da África do Sul, que subsistem até hoje, como as Reservas Naturais de Mkambati, Hluleka e Dwesa. Tal implicou povoar estas novas reservas com vida selvagem transportada de outras partes da África do Sul. Ele supervisionou todo o processo de recolocação dos animais, incluindo a adaptação e o bem estar de todos os animais no seu novo habitat.
Foi também membro do Comité Bilateral de Ligação para a Agricultura (Bilateral Agriculture Liaison Committee) entre a África do Sul e a República de Transkei e de uma delegação de Transkei na União Aduaneira com os seguintes países (que à data eram membros): Botswana, Lesoto, Swazilândia, África do Sul, Venda e Bophuthatswana. O seu Departamento iniciou também inspeções de qualidade e sanitárias no âmbito da importação e exportação de produtos de carne entre esses países, bem como ações de sensibilização dos agricultores para estas questões. O Pai foi ainda representante de Transkei nas Conferências internacionais de medicina veterinária, criação e comercialização de animais no período entre 1977 e 1982.
Quando nos mudámos para Portugal em 1986, continuou a seguir a sua vocação para o tratamento e cuidado de cavalos. Abriu uma clínica veterinária na área de Lisboa e aquilo de que mais me recordo desses anos foi que quase todos que em Portugal tinham cavalos, precisaram da ajuda do Pai, de uma forma ou de outra. Por este motivo, o Pai estava no seu elemento, fazendo aquilo que mais adorava. Para além de ser um estudioso e de ter uma experiência veterinária ímpar, que os veterinários em Portugal tinham naquela altura, sempre encontrou tempo e uma paciência inesgotável para os cavaleiros e para os seus cavalos. Penso que se se pretende ser o melhor veterinário equestre que se pode ser, ajuda ser-se cavaleiro, e o Pai era. Lembro-me de chamadas de emergência no meia da noite por causa de cólicas, poldros a nascerem, das viagens quase mensais para o Porto e para os Açores para tratar de cavalos como acontecimentos rotineiros, o que não era comum nesses tempos (anos 80 / 90).
Preparou as suas próprias instalações cirúrgicas na Quinta da Marinha e realizou operações de sucesso numa altura em que mais ninguém o fazia. Ainda hoje, a maioria das cirurgias equinas em Portugal são realizadas por veterinários estrangeiros. Foi o veterinário de vários cavaleiros de obstáculos Olímpicos, em vários momentos das suas carreiras, tais como Jorge Mathias, Miguel Faria Leal, António Vozone, Francisco Caldeira, Vasco Ramires e Manuel Malta da Costa. Esteve presente nos Jogos Olímpicos de Barcelona em 1992, como veterinário da equipa equestre Portuguesa.
O meu Pai adorava a sua família. Somos uma família pequena e portanto é uma enorme perda para todos nós. A nossa mãe, Margarida Ferreira Neves, foi a sua maior apoiante em todos os seus feitos e conquistas. A Mãe e o Pai divorciaram-se, mas permaneceram amigos para toda a vida, até ao último momento. A publicação na qual escrevo, dirigida pela minha Mãe, não é por isso uma coincidência. A Mãe nada sabia sobre cavalos até conhecer o Pai. Ela aprendeu a amar o mundo do hipismo; não havia outra opção com este historial. A minha irmã, Michelle Rosa Santos, tornou-se no orgulho do Pai por partilhar a paixão por cavalos. Lembro-me da discussão familiar quando ela deixou os seus estudos em Direito para se dedicar ao que quer que fosse, desde que houvesse um cavalo envolvido, com o apoio total do Pai. E assim foi: cavaleira de saltos, instrutora de equitação, juiz nacional de ensino e agora criadora de cavalos Lusitanos, bem como responsável pelas respetivas ações de venda e comercialização. Ao contrário, eu escolhi o caminho não tão empolgante do Direito, mas posso afiançar a marca deixada pelo Pai em mim no amor que tenho por todos os animais e, claro, pelos cavalos. Depois temos as suas netas, Filipa Santos Cruz e Francisca Santos de Mendes Madeira, ambas cavaleiras; muito queridas ao seu Avô que muito se orgulhava das netas. O meu Pai, como disse no início, foi uma pessoa singular e especial. Teremos muitas saudades suas e lembrar-nos-emos sempre dele.
Na sexta-feira, dia 1 de Maio de 2020, Carlos António Durães Rosa Santos, filho de Orlando Rosa Santos e de Maria Ricardina Durães, faleceu aos 70 anos de idade.
O Pai dizia:
“Desfaçam os nós que vos separam e atem os laços que vos unem “
CARLOS ROSA SANTOS
29/10/1949 – 01/05/2020
Por força da atual pandemia e do estado de calamidade, não temos oportunidade de honrar Carlos Rosa Santos da forma que gostaríamos. Terá lugar uma missa com os familiares mais próximos no dia 4 de Maio 2020 em Cascais. Espero que esta homenagem ao nosso Pai partilhe uma pequena parte dele. Há tanto mais que poderia escrever para todos os que lhe eram próximos e queridos, e eram muitos.
Claudia Rosa Santos