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Biomecânica Equina (I)

 

Existem várias manqueiras que necessitam de uma investigação digna dum detective profissional. Então é quase inevitável que as pistas levem a uma articulação.

Texto: Dra. Sara Wyche MRCVS

Habitualmente o tratamento recomendado envolve cirurgia mas, mesmo após as técnicas cirúrgicas mais recentes e menos invasivas, não existe nenhum atalho para a cura. O cavalo necessita de semanas, ou possivelmente de meses, de convalescença e contenção o que provoca muita ansiedade aos proprietários e uma experiência que a maior parte de nós não gostaria de ver repetida.

Mas, já reparou como algumas pessoas têm grandes problemas com os seus cavalos? Surgem-lhes permanentemente os mesmos problemas – nos cascos, nos curvilhões e no dorso. Estes problemas, não surgem devido a ignorância ou falta de cuidado – longe disso: surgem, porque não conseguem ver onde é que as coisas correm mal.

Quando um cavalo apresenta manqueira (excluindo lesões), a primeira coisa que queremos saber é o porquê: é genética, é devido à dieta, é conformação ou é a ferração? É devido à rigidez do piso ou a este ser demasiado profundo, o arreio, os obstáculos… é devido à forma de montar? Quantos cavaleiros se consideram como causa possível da manqueira?

COMO FUNCIONA O SISTEMA?

Quando um cavalo apresenta manqueira persistente, surge um momento em que decidimos debruçar-nos sobre o problema e descobrir a verdadeira causa. Nessa altura, debruçamo-nos sobre a anatomia, procurando uma imagem da sua arquitectura a nível molecular e esquelético; um mapa dos músculos, ossos e tendões, onde possamos observar onde é que encaixa o quê. O que tudo isto não nos mostra é como funciona o sistema.

O estudo da anatomia tem uma longa e relevante história que começou pela exploração do corpo. Os primeiros estudantes desta ciência, trabalharam com cadáveres humanos dissecando os tecidos e anotando as camadas de músculos à medida que os iam encontrando. No entanto, este processo tinha um contra muito grande – um tendão ou músculo após a dissecação não demonstra a forma como funciona. Durante nada menos de 500 anos esta foi a única forma de estudar anatomia.

As imagens anatómicas convencionais ainda são apropriadas para intervenções cirúrgicas uma vez que as suas fases são idênticas às da dissecação anatómica. Mas para percebermos e explicarmos a mecânica do sistema esqueleto muscular necessitamos de uma apresentação diferente. Necessitamos de construir camadas de componentes e não dissecá-las

AVALIAÇÃO CORRECTA

Para percebermos a função dos tecidos músculo-esqueléticos na produção de movimento temos que pensar neles não como matéria viva mas como instrumentos mecânicos.

Pode-nos parecer improvável que o formato natural dos ossos e articulações – que por vezes são frágeis e torcidos – sejam comandados pelas mesmas leis mecânicas das máquinas feitas pelo homem. No entanto não há nada efémero na engenharia músculo-esquelética nada de ecléctico no seu traçado. Nem um ioda de substância óssea, de fibra muscular ou de cartilagem articular no corpo do cavalo são, é supérfluo. Tudo tem a sua finalidade; a identificação dessa finalidade é fundamental para que a máquina funcione.

Quer montemos, trenemos ou tratemos dos cavalos, devemos ser capazes de avaliar o cavalo em movimento com a maior exactidão possível. Visualizar a acção como uma série de sequências é uma ajuda apesar um pouco frustrante de pôr em prática devido à aproximação tradicional à anatomia.

É portanto fácil de perceber que algumas pessoas tenham começado a procurar uma nova perspectiva sobre os andamentos: menos ilustrada e mais analítica.

A palavra biomecânica já começou a introduzir-se no vocabulário dos treinadores. Enquanto a anatomia passou à história, a biomecânica está definitivamente “in”.

Claro que não faz sentido, dissociar duas ciências interdependentes, que devem estar unidas: anatomia e biomecânica andam a par.

Os nomes dados aos músculos são rótulos que evidenciam um formato, uma localização e ocasionalmente uma função.

Escritos em grego e em latim, devemos aprender a pronunciá-los mas, continuam a ser rótulos. Na explicação da biomecânica contribuem tanto como os nomes dos seus dinossauros preferidos!

O QUE É A BIOMECÂNICA?

A biomecânica é o estudo das leis mecânicas relacionadas com o movimento e estrutura de organismos vivos. Essa é a sua definição no dicionário. Por outras palavras a biomecânica avalia o padrão de movimento das estruturas músculo-esqueléticas normais numa espécie identificada. É diferente dos estudos sobre locomoção que identificam parâmetros especiais de movimento para grupos de idades iguais, raças ou formas especiais de treinos.

Não existe nada misterioso na biomecânica.

A melhor forma de avaliar isto é pensar nela como uma forma de tradução. Traduz a linguagem da anatomia para a linguagem da mecânica. Um exemplo típico é a forma como descrevemos os mecanismos articulares – a rótula é a dobradiça. É fácil imaginar como funciona, basta olharmos para os objectos que nos rodeiam.

Se amontoamos em coluna uma série de dobradiças, umas em cima das outras e um rolamento no topo podemos começar a reconhecer a formação óssea do membro de um cavalo – para além disso podemos ver muitas das suas implicações mecânicas.

Claro que esta estrutura não consegue funcionar sem a aplicação dos músculos. Todavia, os músculos nunca mudam a fundação mecânica de base. Se o tentarem fazer acabam por provocar problemas.

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