Crime e Castigo…
Um chicote (ou stick) pode ser uma peça essencial quando o seu cavalo se porta mal, mas será que é realmente necessário? Um pouco de empatia pode ajudá-lo a conseguir um relacionamento muito mais harmonioso.
O cenário é muito vulgar. O seu cavalo parece óptimo quando o comprou, mas agora parece ter adquirido umas atitudes realmente desagradáveis. O seu instrutor diz-lhe uma coisa, os seus amigos outra. Você seguiu conselhos e leu livros, mas o cavalo ainda não se mostra como você deseja.
Neste caso, qual é a melhor forma de ultrapassar os contratempos e desilusões para conseguir atingir o que você quer com o seu cavalo?
A reacção habitual é pensar-se que se passa algo de errado com o cavalo e chamar o veterinário para o estudar pormenorizadamente. O veterinário não encontra nada de mal mas o proprietário sente que existe algo que não está bem e não sabe o que fazer a seguir.
Assim sendo, enquanto você peneira os conselhos, muitas vezes conflituosos, lembra-se de que há o ‘certo’ e ‘errado’ no que diz respeito a treinar e voltar a treinar cavalos. No entanto é frequente só ser necessário um pouco de bom senso e empatia, e seguir estas simples dicas de base.
CENOURA OU STICK?
Tal como nós, os cavalos vivem de acordo com as regras da teoria prazer/dor, ou da teoria de pressão/cedência. Esta pressão pode ser física, emocional ou mental.
Basicamente existem duas formas para ensinar um cavalo, uma baseia-se em castigar o que está errado e a outra em premiar o que está certo. Ambas funcionam como métodos de treino, mas o castigo não é ético. A preferência reside em premiar o bom comportamento.
A recompensa pode fazer-se de várias formas, desde a festa ou cenouras que associamos a bem fazer, até à companhia de outros cavalos, à cedência, ao aliviar do peso do cavaleiro, ao retorno a um exercício menos exigente – tudo o que na realidade permita que o cavalo fique numa situação mais confortável.
Para um animal tão sociável como o cavalo a recompensa também pode ser, dar-lhe atenção de qualquer modo e ignorar qualquer comportamento menos ortodoxo. Acreditem ou não, gritar a um cavalo que está a dar pontapés à porta da boxe pode ser exactamente o que ele procura.
AGIR NA ALTURA CERTA
O importante não é só o que se faz mas quando se faz, se queremos que o cavalo perceba.
Para que o castigo surta efeito este deve ser dado dentro de meio segundo para que o cavalo o associe ao que fez de errado.
A recompensa pode limitar-se a uma cedência ou a uma palavra de elogio que podem ser ministradas instantaneamente mesmo em momentos cruciais.
MEDO, INCOMPREENSÃO OU DESOBEDIÊNCIA?
É essencial entrarmos na mente do cavalo e sermos rápidos a decidir qual dos problemas em título provocou o comportamento indesejável, uma vez que compete ao cavaleiro perceber qual é a causa do incidente.
Existem sinais que podem funcionar como um barómetro diário no que se relaciona com a forma em que o cavalo se sente e um cavaleiro inteligente deve ser capaz de o utilizar para tirar o máximo partido. As orelhas do cavalo dizem-nos onde se centra a sua atenção. Procure essencialmente se uma orelha se volta para si quando aplica um a ajuda ou se emite uma outra ordem e verifique quanto tempo passa entre o movimento da orelha e a execução do comando.
Veja se o cavalo tem o beiço inferior relaxado, as narinas arredondadas e a cauda relaxada. Quando existe tensão em qualquer uma destas zonas as hormonas associadas à fuga são libertadas fazendo com que o cavalo não esteja fisiologicamente apto a trabalhar bem.
Generalizando, se o cavalo apresenta todos os sintomas de estar descontraído quando se porta mal, fazendo várias tentativas apenas antes de fazer algo de errado, é provável que esteja a ser desobediente.
Se o mau comportamento surge repentinamente, acompanhado por sinais de tensão tais como narinas apertadas, a cauda metida para debaixo e o queixo tenso, então é mais provável que a causa seja medo ou dor. O cavaleiro pode não ser capaz de ver estes sinais, especialmente se está a concentrar-se em se manter a cavalo. Por esse motivo é aconselhável pedir a alguém que o observe, ou esteja atento quando está a trabalhar o cavalo no solo. Medite sobre o que o cavalo está a tentar dizer-lhe. Tente de novo, talvez um método diferente – faça tudo menos perder a cabeça!
Alguns cavalos levam semanas e até meses a responder a ensinamentos positivos.
ENTÃO QUANTO BASTA?
É frequente utilizarmos uma determinada técnica para manter sem conseguir a atenção do cavalo, ou ele desvia a atenção obrigando-nos a reforçar a pressão para o prender de novo. Você pode ter que aumentar um pouco a pressão, mas evite a todo o custo ultrapassar o ponto em que o cavalo começa a negar-se a colaborar.
Se a pressão aumenta exageradamente o cavalo pode aumentar o comportamento indesejado. Ao retrocedermos um pouco, é mais fácil voltar à mesma página ou ao mesmo livro e começar de novo a partir daí. Lembre-se que para o cavalo a ausência de prazer significa a dor. Você não tem que utilizar métodos mais brutais a menos que tenha resolvido torná-los a sua marca pessoal…
Para resolver problemas é necessário que você se imponha mas a agressão pode ter como resposta a reacção errada. No mundo dos cavalos os ´chefes´ não são mandões – em situações de manada existem dois tipos de chefes: o alpha que manda por dominar o passivo que manda por dar o exemplo.
Os chefes passivos são habitualmente escolhidos por outros membros da manada sendo seguidos por vontade própria, enquanto que os alphas utilizam a força para afirmarem o seu lugar. É provável que você consiga localizar alguns paralelos no mundo do cavalo, mas tente assegurar-se de que você não é um alpha!
Os chefes passivos são calmos e consistentes no seu comportamento diário não parecendo ter a necessidade de se afirmarem continuamente para manterem a sua posição na manada. Os alphas, pelo contrário, são habitualmente muito prepotentes, utilizando por vezes ataques não provocados sobre os seus subordinados unicamente para mostrarem o seu domínio. Daí resulta o afastamento da maioria da manda que evitam o contacto com o alpha porque os cavalos têm inata a necessidade de evitar o dispêndio de energia para as suas actividades diárias para o caso de terem mesmo de correr para salvar as suas vidas. Ao seguirem um «leader» passivo – que os obriga ao menor dispêndio de energia possível – os cavalos ajudam a assegurar a sua sobrevivência.
Se alguém que treina o seu cavalo faz algo de que discorde, intervenha antes que o treino do seu cavalo retroceda. Não tenha receio de dar a cara pelo seu cavalo!