Quando o calor aperta…
Os verões demasiado quentes e húmidos podem ser ainda mais difíceis para os cavalos do que são para os humanos. Na maior parte dos casos, os cavalos não têm escolha de como lidar com o calor e dependem do maneio que os humanos lhes proporcionam.
Texto: Dr. Henrique Cruz
Neste artigo vamos dar algumas sugestões que poderão ajudar a manter os cavalos saudáveis e em forma durante os meses do verão.
Os cavalos podem permanecer em regime de pastagem no campo durante todo o verão desde que, além de uma forragem adequada, tenham sempre à disposição sombra e água fresca.
A água em particular deve ser abundante e de fácil acesso. No caso de vários cavalos a partilhar a mesma pastagem, é aconselhável colocar vários bebedouros em localizações diferentes, de modo a que um cavalo não possa bloquear o acesso de água a outro. Se o fornecimento de água for feito através de baldes ou bidons, deve haver um número maior de baldes do que de cavalos na mesma pastagem. Deve verificar com frequência o nível da água. A água parada no verão é o habitat ideal para o desenvolvimento dos mosquitos. Por essa razão os baldes e bidons devem ser limpos e a agua substituída pelo menos cada 3 dias, e sempre que se encontrem sujos. Os cavalos tambem devem ter livre acesso à pedra de sal (minerais e vitaminas) enquanto se encontram na pastagem, a não ser que tenham uma pedra de sal na manjedoura e sejam recolhidos diariamente.
A presença de sombra é essencial. Os cavalos devem ter sempre a possibilidade de se afastarem do calor direto do sol. Qualquer pastagem para cavalos deve ter um local abrigado com um teto e pelo menos duas paredes onde os cavalos se podem proteger dos elementos: chuva, sol, vento, calor e frio. Além disso, a presença de árvores altas não só providencia sombra como tende a arrefecer o ar durante os dias quentes de verão através de uma brisa agradável. A maior parte dos cavalos prefere a sombra das árvores do que de um abrigo.
As queimaduras solares também podem afetar os cavalos, principalmente em partes do corpo com pele branca, como por exemplo face, lábios e membros. Os cobrejões de rede fina ajudam a proteger os cavalos não só das picadas dos insetos mas também os protegem dos raios ultravioleta. Além disso, a utilização de máscaras de rede fina também protege os olhos de poeiras e insetos, reduzindo o risco de conjuntivites e traumatismos oculares.
Se a sombra for limitada ou insuficiente, recomenda-se reduzir o acesso à pastagem apenas durante a frescura da manha e depois ao final da tarde. Note-se porém que estes são os períodos de maior atividade dos mosquitos, pelo que se algum cavalo tiver alergia aos mosquitos, devem ser tomadas as precauções necessárias; principalmente se houver algum reservatório com água parada na vizinhança. Nos casos de padoques com sombra limitada, os cavalos devem ser vigiados com maior frequência. É importante ter atenção aos sinais clínicos da desidratação. Estes incluem a perda de elasticidade da pele, que deverá normalizar rapidamente após se agarrar uma pequena prega (< 2 segundos). A gengiva deve ter uma coloração rosada e deve estar húmida. A respiração deve ser tranquila e relaxada e não exceder as 20 respirações por minuto. A maior parte dos cavalos em repouso tem uma frequência respiratória que varia entre as 10 e as 12 respirações por minuto. Se um cavalo mostrar algum sintoma de desidratação, deverá de imediato ser removido da exposição direta ao sol, deve ser dado um duche completo com água fria, após o qual deverá ser raspado para remover o suor e a água do duche. Se a respiração não normalizar dentro de alguns minutos deverá ligar ao seu médico veterinário.
No caso de cavalos estabulados, o fator mais importante é a ventilação. O ar quente desloca-se para cima em relação ao ar menos quente – é este o princípio que permite voar um balão de ar quente. Por esta razão é importante haver aberturas no telhado dos estábulos que permitam a saída do ar quente. A utilização de ventoinhas potencia este efeito ao empurrar o ar quente para cima. As portas e janelas devem ser deixadas abertas para criar uma corrente de ar. O ar fresco do exterior entra, aquece, sobe, sai pela abertura no telhado e permite que mais ar fresco entre no estábulo. A instalação de ventoinhas é muito eficaz, contudo deve ter-se o cuidado de proteger os cabos elétricos, de modo a evitar acidentes de electrocução. As correntes de ar também contribuem para o controlo dos insetos pois as moscas e mosquitos têm dificuldade em voar contra o vento criado pelas ventoinhas.
O acesso a água limpa e fresca é igualmente importante nos estábulos. Os cavalos tendem a beber mais durante o verão porque também tendem a transpirar mais. Por esta razão, é ainda mais importante agora verificar com frequência o estado dos bebedouros e dos baldes de água. Deve verificar que não estão entupidos e que não contêm porcarias. Também é importante ter a certeza que o cavalo ingere uma quantidade adequada de água, pois se não o fizer isso pode ser um sinal de doença, que se agravará se o animal ficar desidratado.
Durante o exercício físico os cavalos têm uma tendência para sofrer de golpe de calor 3 a 10 vezes mais rapidamente do que os humanos. Os cavalos são grandes e possuem uma maior percentagem de músculos ativos do que os humanos durante o exercício. A atividade muscular resulta na libertação de calor. Por outro lado, o corpo de um cavalo atleta evapora uma quantidade menor de suor em comparação ao corpo de um atleta humano, simplesmente porque o cavalo produz uma quantidade bastante maior de suor, superior aquela que consegue evaporar. Por essa razão ficam bastante transpirados.
Para evitar o golpe de calor os cavalos devem ser trabalhados nos períodos mais frescos do dia, de manha cedo e ao fim da tarde. Se isso não for possível, a duração do período de trabalho deverá ser reduzida e deve-se ter especial atenção à respiração do cavalo. Se a respiração ficar muito ofegante durante o exercício, deve meter a passo e caminhar até a respiração normalizar. Se ao fim de 10 minutos a passo a respiração não tiver normalizado deverá ligar ao seu médico-veterinário e pedir-lhe que examine o cavalo de modo a averiguar se existe algum problema físico responsável pelos sintomas.
Depois do trabalho, o cavalo deve andar uns minutos a passo de modo a arrefecer os músculos e recuperar a frequência respiratória. Depois disso deve ser desaparelhado e se estiver muito calor deve refrescar com duche primeiro o pescoço e o peito. Ao refrescar a região da veia jugular estará a reduzir a temperatura do sangue que retorna ao coração e será depois bombeado para o resto do corpo. Ao arrefecer estas zonas, está a arrefecer internamente o resto do corpo do cavalo. De seguida deve duchar o cavalo por inteiro, raspar a água e voltar a duchar novamente com água fresca, repetindo o ciclo as vezes que for necessário. Desta forma ajuda a remover calor do corpo do cavalo. Se não raspar, o calor que vem dos músculos até à pele aquece a água à superfície impedindo que o corpo continue a arrefecer.
Numa situação de calor extremo e que seja urgente arrefecer o cavalo, pode dar –lhe um banho com álcool e seca-lo em frente a uma ventoinha.
Se apesar de tudo isto ainda não tiver conseguido normalizar o cavalo, cubra o dorso, com um par de toalhas que estiveram previamente embebidas em água gelada.
A maior parte dos cavalos no verão tem o pelo muito curto e fino. Se no entanto o cavalo tiver uma pelagem mais densa, como no caso de animais mais idosos que possam ter síndrome de Cushings ou no caso de ondas de calor súbitas durante o início da primavera ou outono, o corpo do cavalo deve ser tosquiado antes de qualquer evento que exija exercício físico intenso e onde o golpe de calor possa ser um risco. Obviamente, a saúde do seu cavalo deverá ser uma prioridade constante. No entanto quanto melhor for a forma física do cavalo mais bem preparado estará para lidar com o calor. Pelo menos uma vez por ano, por exemplo aquando da vacinação anual, peça ao seu médico veterinário para auscultar o coração e respiração do cavalo, avaliar a condição corporal, a dieta e o estado dos dentes. Desta forma qualquer problema será detectado logo no início podendo ser corrigido antes de começar a causar problemas ao animal.
Um dos problemas relacionados com o calor mais frequentemente observados em cavalos durante o exercício é a fadiga causada pelo trabalho intenso associado a uma ingestão insuficiente de líquidos e/ou repleção insuficiente dos eletrólitos perdidos através da transpiração. Esta situação pode ser facilmente evitada desde que o tratador esteja atento a que o cavalo tenha sempre à disposição água fresca e um bloco de sal. A maior parte dos cavalos irá ingerir naturalmente a quantidade de eletrólitos que necessita desde que os tenha à disposição no seu habitat. Contudo, uns cavalos podem ser mais esquisitos do que outros. Há cavalos que deixam de beber se a água tiver algum sabor diferente daquele a que estão habituados. Isto pode ser um problema grave quando por exemplo um cavalo vai para um concurso onde fica alojado fora de casa durante vários dias. É importante conhecer a natureza do cavalo e se necessário levar de casa alguns bidons cheios de água para o cavalo beber enquanto está fora, ou então habitua-lo a beber a água com um certo sabor, por exemplo adicionando eletrólitos ou um pouco de mel, de modo a que se possa dar o mesmo sabor a uma água com um sabor intrínseco diferente. De igual modo, há cavalos que quando estão mais distraídos ou ocupados com outras coisas, por exemplo a novidade de estar fora de casa e todo o reboliço associado aos bastidores de uma competição, esquecem-se de beber, ou bebem menos, pelo que devemos estar atentos a essas situações de modo a evitar problemas mais sérios.
Uma doença rara mas perigosa é a anidrose. Esta condição é caraterizada pela incapacidade em transpirar, resultando em hipertermia e aumento da frequência respiratória. Uma vez que a transpiração é o mecanismo primário que o cavalo utiliza para arrefecer o seu corpo, um cavalo que não consiga transpirar poderá facilmente sobreaquecer ao ponto de causar danos internos severos. Uma das formas de corrigir a anidrose é ajustar a carga de trabalho de modo a que o cavalo não necessite do efeito arrefecedor da transpiração. A suplementação da dieta com eletrólitos por vezes ajuda a aumentar a produção de suor.
Para cavalos com anidrose severa, o exercício durante tempo quente está fora de questão. O calor produzido pelo esforço físico será demasiado para o organismo suportar. A frequência respiratória aumenta muito e rapidamente, aumentando o risco de colapso. Os proprietários de cavalos com anidrose devem deixar de os montar durante os meses quentes do verão.
Conclusão: Pode não ser fácil manter um cavalo saudável e em forma plena durante o tempo quente. Contudo com alguns conhecimentos teóricos, um maneio bem planeado, uma observação atenta ao comportamento do animal e uma intervenção rápida sobre qualquer sintoma de dificuldade ou desconforto do cavalo, os objetivos podem ser alcançados com sucesso.