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Os Jogos Olímpicos de Tóquio 1964 – Parte 2

Continuação da 1ª Parte

 

O Concurso Completo nada revelou de extraordinário que mereça ser apontado, a não ser a vitória não esperada dos italianos, quer individual, quer por equipas.

Segundo constava, foi o marquês de Mangili quem orientou e preparou a equipa, sendo o grande responsável pelo êxito.

Nota-se no entanto, que a simplificação da prova de ensino parece ter favorecido os italianos, que nessa matéria não são especialmente fortes.

A prova de “cross” teve um aspecto comum como a de Roma, que foi o facto do seu traçado se desenhar numa área relativamente pequena, o que permite ao grande público ver uma grande parte dos obstáculos.

O perfil do “cross” sem apresentar grandes desníveis era no entanto permanentemente ondulado e em todo ele não tinha objectivamente uma zona de franco galope.

Os obstáculos encaminharam-se para um tipo que já vem a aparecer há duas Olimpíadas, não havendo propriamente aquilo que em gíria hípica se pode considerar uma “ratoeira”.

E uma vez mais os cavalos de sangue inglês deram cartas.

O ramo Obstáculos foi aquele onde os cavaleiros portugueses participaram e sobre ele nos deteremos um pouco mais.

O primeiro problema que surge numas Olimpíadas de Obstáculos é do aquecimento. Pois os japoneses apresentaram ao lado do seu imponente estádio, um outro com boxes para onde os cavalos foram transportados na manhã da prova, e onde os cavaleiros podiam fazer o aquecimento como muito bem desejassem.

O segundo problema é o piso do campo, que no caso presente se apresentou pesadíssimo, embora sem escorregar, condição que foi fatal a muito concorrente.

E por último o percurso que com voltas naturais, embora garantindo recortes onde se podia ganhar tempo uma vez que este estava muito justo (1m57s), se apresentava dentro dos moldes o mais clássico possível, com os obstáculos muito bem construídos e apresentados.

Do gráfico do percurso com as dimensões aproximadas dos obstáculos, ressaltam imediatamente o tamanho e dificuldades do 1, do 6, do 9 e do Duplo-12.

Duas interdependências havia, unicamente, e uma delas do duplo para a vala – 25 metros, seleccionou muita posição.

E agora a prova do major Duarte Silva com ele próprio no-la contou:

“…a «Jeune France» logo no aquecimento deixou-me tranquilo, calma, descontraída e saltando muito redonda. Tive ocasião de ver uns dez percursos, pois entrei em 20º, e essa observação foi-me útil, pois apercebi-me da maneira como devia de resolver a interdependência para a vala que não era de montar a crescer como todos estavam a fazer… e a tocar, mas sim aguentar duas passadas sobre a recepção do duplo e depois crescer progressivamente.

Um quadro no campo de aquecimento ia-nos fornecendo todos os pormenores sobre as provas que se iam desenrolando.

Na primeira mão a égua saltou extraordinariamente, tocando no 9, e ingloriamente, no 14.

Mesmo assim fez uma das únicas três provas com 8 pontos de penalização e que me fizeram criar uma posição que me permitia ganhar uma medalha.

Na segunda mão a «Jeune France» animou-se ligeiramente mais e, embora saltando muito por cima arredondou menos e veio a dar três toques em três rias exactamente por não ter arredondado o suficiente.

Dois deles foram tão ligeiros que nem dei por eles e o não se verificarem facultava-me uma medalha. Assim, tive que me contentar com o Diploma de 5º”.

Confessou-nos o major Duarte Silva que o francês Pierre Jonquères D’Oriola ganhou brilhantemente com Lutter B e que a sua segunda mão, em que limpou, foi excepcional.

Scherride, da equipa alemã, também fez uma grande segunda mão que lhe valeu a medalha de prata.

A grande surpresa foi a equipa americana. E foi tão grande o descalabro duma equipa favorita que só se pode encontrar explicação num excesso de treino.

Também Raimondo e Pierro D’Inzeo falharam, e talvez se possa encontrar a explicação no facto de terem preterido a frescura e poder dos cavalos novos que têm, pela experiência dos batidos em provas e que não tiveram estofo para sair do piso pesado.

Ainda quisemos saber o que se passara com o «Joc de L’Ile” e o Major Henrique Callado (34º). E o major Duarte Silva disse-nos que o Joc já de si ultra difícil, ainda se complicou mais com o piso pesado e tanto se dificultou a entrado do triplo que aí deu uma nega que por si só não teria inconveniente maior se não fora a excitação que daí adveio e que estragou a primeira mão.

Na segunda mão fez 16 pontos o que aconteceu a muito boa gente, indo portanto bastante melhor, embora sem ser o «Joc» que Aix-la-Chapelle, Nice e Roma conheceram e admiraram.

Terminada a descrição sumária dos Jogos resta-nos duas palavras à classificação do major Duarte Silva.

Quando há três anos apresentamos no “desfile de esperanças” a «Jeune France» o então capitão Duarte Silva respondeu-nos sobre o que pensava do seu futuro da forma que se segue:

“Quanto ao futuro, sou o mais optimista possível, pois com uma “ferramenta” destas só preciso que me ajude o “engenho e arte”…

Três anos volvidos a sua profecia é integralmente cumprida, conquistando para Portugal um Diploma Olímpico e igualando a “performance”, individual de Borges de Almeida que também ficou 5º com «Profond».

E sem de forma nenhuma pretendermos menosprezar o extraordinário resultado conseguido pelo grande campeão que é Manuel de Oliveira, sem queremos tirar, como desportistas e portugueses, a mais pequena parcela de mérito, que com M grande, aquela atleta, quer nos parecer que alguns periódicos ao noticiarem o 5º lugar do major Duarte Silva o colocaram numa muito discreta posição. O facto é injusto, e nem o major Duarte Silva nem o hipismo o merecem.

Mas não queremos colocar o assunto neste pé.

Optaremos por conhecimento do que representa um toque a mais ou a menos numa prova, como pode aparecer ou não nas mesmíssimas condições técnicas, os inúmeros imponderáveis de que se rodeia um percurso de obstáculos e a percentagem que o factor “sorte” tem nele.

E decididamente faltou só uma parcela de sorte para o major Duarte Silva ganhar uma medalha.

Não faltaram nem possibilidades nem técnica nem classe.

E foi isso que faltou dizer nesses periódicos e que nós, talvez um pouco mais metidos na técnica, não poderemos deixar de vincular.

O Diploma do major Duarte Silva nas Olimpíadas de Tóquio constitui uma das mais belas páginas da história do nosso hipismo.

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