Ritmo e Cadência em Equitação
Texto: Dr. Henrique Cymbron.
Na sequência do meu último comentário, apeteceu-me partilhar agora algumas considerações sobre: RITMO E CADÊNCIA EM EQUITAÇÃO.
No dia 10 de Fevereiro de 1986, recordo a data pois tenho o hábito de colocá-la nos livros que compro, adquiri, na loja do cavalo do Jockey Club, o meu primeiro regulamento de ensino. Um livrinho intitulado Normas Provisórias para Provas e Concursos de Ensino, da autoria do Coronel Arnaut Pombeiro, aprovado e publicado pela FEP, que me foi muito útil naquele tempo em que, os conhecimentos equestres na nossa ilha de S. Miguel eram reduzidos e os contatos com cavaleiros nacionais inexistentes. O referido livro tem a particularidade de, para além de explicar os conceitos e exercícios da equitação de ensino, descrever quais os principais erros graves para cada movimento e a respetiva pontuação a atribuir pelo juiz, o que foi para mim uma boa escola.
A Escala de Treino que conhecemos hoje foi criada na Alemanha por volta de 1912 e constitui atualmente o pilar da equitação de ensino como sabemos, no entanto, nessa época em que comprei o referido regulamento, talvez por a nossa tradição equestre “beber” da escola francesa, essa noção da pirâmide de treino não estava ainda muito enraizada nos nossos hábitos equestres e o RITMO, que constitui a base da referida pirâmide, era habitualmente incluído no conceito de CADÊNCIA.
A este propósito o documento refere que no caso do regulamento francês ritmo e cadência são considerados a mesma coisa, porém, para a escola de Viena, segundo Podhajsky, ritmo e cadência não têm o mesmo significado. Estas divergências têm, quanto a mim, uma razão clara de ser pois, na prática, não existe ritmo sem cadência, ou melhor definindo, “TEMPO” que é o conceito utilizado hoje internacionalmente.
Deste modo, o RITMO define-se pela forma regular e repetida que os cascos do cavalo batem no chão, formando 4 tempos no passo, 2 tempos no trote e 3 tempos no galope, enquanto TEMPO ou CADÊNCIA define-se como a velocidade com que os cascos do cavalo tocam no chão. De forma abreviada podemos referir que Ritmo é a sequência e Tempo é a velocidade.
Assim, por exemplo, um cavalo que corre para um trote médio tem uma variação da cadência que deve ser assinalada pelo juiz, mas não significa que tenha tido também uma variação do ritmo do trote.
Por outro lado, por exemplo um cavalo que amble (andadura por bípedes laterais) no passo perde claramente os quatro tempos deste andamento e deverá ser punido com uma nota negativa por perca de ritmo, como aliás hoje acontece, o que há alguns anos atrás não era assim tão evidente acontecer.
Ainda sobre o passo, verifico muitas vezes, cavalos a efetuarem um passo, algo apressado, com a garupa alta e com o ritmo a roçar no “chouto”, a ser considerado um bom passo. Recordo que a primeira condição para um bom passo reside numa cadência lenta que é a que permite dar amplitude ao andamento do cavalo sem precipitar. Eu sei que é difícil, mas é o que é verdadeiro.
No caso do galope, um cavalo que decompõe o galope e passa a galopar a quatro tempos em vez de três, deverá ser também punido com uma nota negativa, todavia, isso não acontece assim com tanta evidência nas pistas de Dressage nos nossos dias e também já se vai vendo nas nossas por cá.
A esse respeito passo a citar o juiz internacional alemão de Dressage e de concurso completo de equitação Christoph Hess que refere o seguinte:
“Rhythm, this is absolutely important, four beat walk, two beat trot, and three beat canter. Many judges don’t look enough at the three beat of the canter. They look at the walk, and if it is two beat, that’s it, 1 mark, and they kill it for life, but they look at a four beat canter and remark ‘lovely collected canter’. Rhythm has to include ‘tempo’. The paces have to be active but not hurried and show enough swing in the back, the back is the bridge between the hind legs and the front legs. The better the tempo, the more elasticity the horse will show in the paces. The good rider has a wonderful feeling for timing in the saddle. The goal is to make the lazy horse more active, and the too energetic horse to slow down.”
Não precisava de ir tão longe para arranjar cavaleiros que denunciem estas situações, como é o caso do cavaleiro internacional português Pedro Azevedo e Silva, mas, como para nós portugueses, só o que vem de fora é que é bom, e na Dressage de preferência da Alemanha, aqui vai um alemão que sabe de equitação.
Em minha opinião, a razão porque vemos hoje com tanta frequência cavalos a galopar a quatro tempos nas pistas de Dressage deve-se ao facto de muitos cavaleiros estarem a fazer uma incorreta interpretação do conceito de souplesse que constitui o segundo elemento da base da pirâmide da escala de treino. Para isso, contribuiu com certeza esta, relativamente recente, incidência da FEI na noção de RELAXAMENTO ou DESCONTRAÇÃO, como conceito preponderante do segundo elemento da escala de treino. Ora esse enfoque da FEI surge, evidentemente, face à necessidade de controlar a dose exagerada de tensão que esteve na moda nos últimos 10 ou 15 anos, com particular destaque para a equitação holandesa.
Na realidade, um cavalo supple e descontraído não pressupõe a ausência de tensão. Ao contrário, a verdadeira conexão dos membros posteriores a empurrarem os membros anteriores, só pode acontecer, mediante a existência de um grau significativo de tensão, só que de uma TENSÃO POSITIVA, ou seja, uma tensão que não inclui rigidez física ou bloquei do cavalo. A grande questão é como se chega a essa tensão positiva, pois isso é que faz toda a diferença, mas isso fica para outra altura.
A propósito da tensão positiva, uma vez encontrei um paralelismo com o serviço de um jogador de ténis que é elucidativo. Um jogador de ténis ao realizar um lançamento, se estiver muito tenso, provavelmente a bola não passará da rede, no entanto, se estiver demasiado descontraído e solto, provavelmente a bola irá cair fora do campo. Calcular a dose certa de tensão e descontração (souplesse) é que é a arte do artista.
È essa tensão positiva que se converte em conexão, permitindo ao cavalo individualizar bem os 3 tempos do galope e separar de forma significativa o posterior de dentro do posterior de fora na definição dos dois primeiros tempos do galope, consentindo que o posterior de dentro chegue ao chão junto com anterior de fora. A este propósito refere o Dr. Luis Lupi, o galope é um andamento a três tempos de apoio e um tempo de suspensão em que, no segundo tempo de apoio, a diagonal no solo pode apresentar uma dissociação, que é penalizada nas variações desde o galope concentrado até ao galope largo, mas que é aceite como natural no galope de corridas.
Ora o que se assiste com frequência nas pistas são cavalos a realizar um galope saltitante, alguns deles durante a prova toda, onde se verifica a dissociação acima exposta e, portanto, a consequente caída nos quatro tempos de galope, com os cavaleiros convencidos que essa sensação corresponde a descontração do dorso. A estes cavalos e cavaleiros faz-lhes falta sentir aquilo que na equitação larga se designa por “bom galope “, necessário para realizar uma pista de obstáculos.
Outros cavalos, ao tentarem chegar ao galope concentrado, caem nos quatro tempos do galope, quanto a mim, com evidente perca de souplesse e impulsão por redução do tempo de suspensão do galope. A estes cavaleiros talvez lhes faça falta uma “boa mão”, mais ligeira, que lhe apure o “tato equestre”, outro conceito, hoje pouco em voga, mas não é por isso que não continua a fazer falta nas nossa pistas.
É claro que nada disto é fácil e que é absolutamente normal surgirem erros. Sabemos bem que não existe cavalos perfeitos, muito menos por aqui, mas, em cada cavalo, devemos procurar a melhor forma de fazer os exercícios sem perdermos os princípios básicos da equitação mesmo que isso implique percas na retitude, impulsão ou concentração. Também devemos procurar utilizar cada cavalo na modalidade que mais se adequa ás suas caraterísticas, ou adquirir cavalos com aptidão para a modalidade que queremos praticar.
O ensino de competição, é um pouco como as ideologias. Os princípios são os melhores, mas na prática, quando os fins começam a justificar os meios, é cada “calinada na gramática que até ferve”.
Como nos ensinou Sócrates (não o político é claro): O belo é difícil.