Capt. António Pimenta da Gama
Escrever algo sobre um cavalo de desporto está implícito o não ser dissociável de todo aquele que o criou, desbastou, ensinou e utilizou.Assim, ao falar do “Rapinante” era esse nome daquele que foi crismado “Ribamar”, começo por lembrar o seu criador, Eng. Fernando de Sommer d’Andrade, uma das figuras mais prestigiosas da equinicultura nacional nas últimas décadas.
Ribamar era um cavalo de raça anglo-lusitana, filho do P.S.I. Bank Robber e da égua lusitana “Garvonesa”, filha de “Principe VIII” (Zapata-Curro Chica) e de “Mértola” de ferro Andrade. Curiosamente, Garvonesa tinha só 1,56 m de altura e era das éguas menos pontuadas da Coudelaria de Fontalva, tendo no entanto dado vários bons produtos, entre eles “Vidago” conhecido padriador de raça P.S.Lusitano.
Ribamar foi vendido aos 3 anos à G.N.R. apenas por 35.000$00 (175.00 Euros) em virtude do seu fraco pós de mão não indicar uma boa aptidão para a modalidade de toureio. Não parecendo, tinha 1,66 m de altura ao garrote uma espádua magnifica, possuía andamentos normais mas com um galope fácil apesar dos esparavões que apareceram desde muito novo. Como características mais notáveis, a incomparável rapidez sobre os obstáculos, uma maneabilidade em alto grau e o respeito pelo salto aliado a uma valentia extraordinária. A escolha deste animal foi curiosa pois os oficiais da G.N.R. que seriam contemplados na distribuição das montadas de desporto apresentadas conjuntamente com Ribamar, inclinavam-se mais para uma irmã deste, de nome Renda e da mesma coudelaria.
Quando o signatário deste artigo, que foi o primeiro a escolher, teve a opção pelo Ribamar, todos os intervenientes neste acto de serviço ficaram estupefactos, não sabendo no entanto que nessa escolha teve forte influência a opinião do soldado José Alberto Rodrigues, tratador dos meus cavalos desde 1957 e durante 26 anos, homem esse conhecido em todos os meios hípicos europeus pela sua simpatia e desembaraço.
Dotado de um “sexto sentido”, aliado aos conhecimentos empíricos notáveis, foi responsável na longevidade que tiveram os cavalos por si tratados. Ribamar, após um gravíssimo “aguamento” que surgiu em 1978 e devido ao qual teve dificuldade na locomoção durante longos meses voltou em 1980 a ser o cavalo mais ganhador de Portugal. Este foi um dos cavalos que demonstrou bem o que representa o carinho e bom tratamento de um dedicado homem de cavalos.
Ribamar foi desbastado por um dos mais famosos cavaleiros da G.N.R. nessa modalidade de desbaste, Cabo Filipe Ferreira e iniciou a sua vida desportiva aos 4 anos. Tomou parte no critério de obstáculos mas um toque numa prova classificativa relegou para um modesto 7º lugar aquele que viria a ser o cavalo mais ganhador de todos os tempos, em Portugal, até à sua retirada.
No ano do seu debute em provas oficiais é já o 11º no ranking nacional ao obter 44 classificações com cerca de 25 primeiros prémios, alguns em provas internacionais. Em 1975 passa a fronteira pela 1ª vez e obtém logo no Concurso Internacional de Madrid 3 segundos e 1 quarto lugares. Passa a ser dos cavalos mais rápidos apenas seriamente batido pelo cavalo irlandês Aquila Real, da equipe espanhola.
Tem o apogeu de forma em 1976 batendo em Barcelona toda a equipe francesa que cerca de 2 meses depois, ganhava a medalha de ouro nos J.O. de Montreal.
Ribamar manteve-se em actividade intensa até 1986 (apenas parado por motivos já citados em 1979) ano em que foi retirado definitivamente.
Tem no seu activo cerca de 160 primeiros prémios dos quais 60 em provas internacionais, sempre por mim montado.E que mais dizer de Ribamar?
Que tinha em Espanha a maior das popularidades esgotando sistematicamente os bilhetes para as apostas em todas as provas em que participava.
Que era um cavalo que após os seus vibrantes percursos terminava normalmente com uma alegre pirueta.
Que tanto prazer deu aos cavaleiros que o montaram nas finais dos Campeonatos de Portugal quando estava apurado.
Que, era enfim, um animal que só não atingiu mais projecção internacional por não ter o poder que lhe permitisse executar provas de grande dimensões. No entanto, com toda a sua valentia, disputou várias Taças das Nações, Potencias, Grandes Prémios e muito principalmente provas de velocidade, onde era quase imbatível.
Para terminar, lembro a maneira discreta mas digna de como este animal acabou a sua carreira. Foi na Praça de Toiros de Santarém onde, por acaso, foi disputado o Concurso de Saltos da Feira de Santarém em 1986. Num percurso muito recortado como é normal num recinto com dimensões reduzidas, procurei desde o início da prova a maior rapidez possível. Ao abordar um dos obstáculos num ângulo muito fechado, o Ribamar passou ao lado.
Ao contrário da reacção que era de esperar de muita gente, fiz um ou mais cortes, abandonei a pista e dei assim por terminada a vida desportiva do cavalo que, até à sua retirada, foi o maior ganhador em provas de saltos.