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Síndrome Navicular – o que há de novo?

Dr. Henrique Moreira da Cruz.

Avanços nas modalidades de diagnóstico e estratégias de maneio em cavalos com síndrome navicular podem permitir melhores resultados.

O síndrome navicular continua a ser um diagnóstico frequente em cavalos de qualquer raça ou disciplina. O principal sintoma é a claudicação que pode afectar um ou os dois membros anteriores. Nos posteriores o síndrome navicular é extremamente raro pelo que iremos aqui assumir que se trata de uma patologia que afecta apenas as mãos dos equinos.

O navicular é um osso pequeno, presente na parte posterior da articulação interfalangeana distal, dentro do casco. O seu nome provem da forma de barco ou navio (navis). Conforme se disse, faz parte da articulação do casco e por conseguinte tem uma superfície articular coberta por cartilagem hialina, está fixo por vários ligamentos, e contribui também para a bursa onde passa o tendão flexor digital profundo junto ao seu bordo posterior. Em suma o osso navicular é uma estrutura central no casco e o seu bom estado é fundamental para a locomoção do cavalo.

O síndrome navicular engloba as patologias do osso navicular, mas também as estruturas a ele intimamente associadas, tais como os ligamentos, cartilagens, cápsulas e membranas sinoviais e o tendão flexor digital profundo. Ao conjunto de todas estas estruturas dá-se o nome de aparelho podotroclear. Por conseguinte, o síndrome navicular por vezes também é denominado por síndrome podotroclear, uma vez que nesta doença qualquer combinação destas estruturas pode estar afectada. Naturalmente, quanto mais especifico for o diagnóstico, também mais especifico poderá ser o tratamento.

As causas do síndrome navicular incluem o stress mecânico e desgaste devido à pressão constante entre o tendão flexor digital profundo e o osso navicular que resultam em lesão degenerativa destas ou de outras estruturas do aparelho podotroclear. A má conformação do casco, como a pinça longa e talão baixo, aumentam estas forças de stress podendo instigar o desenvolvimento deste síndrome.

Conforme se disse acima, o principal sintoma é a claudicação que se torna crónica. No início, por vezes, em casos mais insidiosos, o animal começa por exibir um encurtamento da passada, com apoio preferencial na pinça para evitar sobrecarregar o talão. Num cavalo de dressage, o primeiro sintoma pode ser redução na extensão do trote, por exemplo, e num cavalo de salto, o primeiro sintoma pode ser um aumento de paragens e recusas em saltar ou um aumento no número de toques. Em casos mais avançados detecta-se claudicação óbvia e por vezes sensibilidade no terço médio da ranilha quando se aplica a pinça de cascos.  Em alguns casos nota-se melhoria com o aquecimento, noutros porém a claudicação agrava-se com o exercício.

Segundo os estudos publicados, algumas raças apresentam maior incidência, tais como o Puro Sangue Inglês, Quarto de Milha e Warmblood. O diagnóstico costuma ocorrer entre os 4 e 15 anos de idade, ou seja durante a vida desportiva dos animais.

A conformação e o aprumo do casco têm um papel fundamental na prevenção, maneio e tratamento deste síndrome. Obviamente as lesões decorrentes da actividade desportiva intensiva também podem agravar este síndrome que é mais frequente em cavalos que praticam disciplinas que requerem curvas apertadas, paragens rápidas, movimento lateral e salto.

O diagnóstico começa com o exame clínico e investigação da claudicação que obrigatoriamente terá de estar localisada no casco. A localização da claudicação é feita invariavelmente recorrendo a técnicas de anestesia perineural, vulgarmente conhecida por “bloqueios nervosos”. Por vezes a anestesia intrassinovial da articulação interfalangeana distal e/ou da bursa navicular ajudam a confirmar o diagnóstico. A não ser que o grau de claudicação seja excessivo, o cavalo deve ser observado à guia ou montado, tanto em piso mole como num piso duro. A palpação e inspeção visual do membro são essenciais, devendo ser avaliada a conformação e aprumos dos cascos. É costume realizar testes de flexão, e no caso particular de suspeita de navicular, o teste de extensão, também conhecido por “teste da cunha”, pode ser muito útil. Este teste consiste em aplicar um bloco de madeira em forma de cunha por baixo da pinça, elevando-a, aumentando desse modo a tensão do tendão flexor digital profundo sobre o osso navicular. Depois de se apoiar sobre a cunha durante cerca de 1 minuto o cavalo volta a trotar e no caso de um aumento de pressão sobre uma estrutura inflamada, o grau de claudicação poderá tornar-se mais exacerbado.  O exame com a pinça de cascos nunca deve ser descorado. Uma vez localizada a claudicação no casco e avaliado o membro por fora, o médico veterinário deverá recorrer à imagiologia para apurar o diagnóstico.

Os avanços das técnicas de imagiologia nos últimos anos têm permitido uma melhor compreensão no estudo das lesões associadas ao síndrome navicular.

O exame radiográfico continua a ter relevância na avaliação das estruturas ósseas  do membro e respectivas alterações. Com o advento da radiologia digital que permite obter as imagens diretamente ao pé do cavalo aquando do exame clinico, é frequente em clínica geral que a radiologia seja o primeiro passo de investigação imagiológica. O problema que ocorre com frequência é a variabilidade dos achados radiográficos sendo que há alterações que se identificam tanto em cavalos sãos como em cavalos mancos.

Um bursograma pode ser também um teste útil. Este procedimento consiste na obtenção de imagens radiográficas após a injeção na bursa navicular de um agente de contraste (radiopaco). O bursograma realça o contorno da membrana sinovial da bursa navicular e a fibrocartilagem entre o bordo posterior do osso navicular e o bordo dorsal do tendão flexor digital profundo. Pode ajudar a detectar a presença de aderências entre o tendão e o osso e até lesões no tendão se as mesmas tiverem comunicação directa com a bursa.

A aplicação da ecografia para avaliar o aparelho podotroclear é mais difícil e limitada. Contudo é possível avaliar parte do tendão flexor digital profundo e também do ligamento impar do osso navicular após preparação adequada da ranilha.

O síndrome navicular não tem cura. A intervenção do médico veterinário, depois do diagnóstico, consiste em gerir o grau de dor de modo a permitir que o cavalo possa continuar a ter algum tipo de actividade física. Com o advento da ressonância magnética tem sido possível diagnosticar mais cedo algumas lesões, evitando assim o agravamento das mesmas.

O tratamento  é multifactorial e varia consoante a estrutura, ou estruturas afectadas, bem como o grau de gravidade. Pode ser necessário repouso, analgésicos, anti-inflamatórios, bifosfonatos, ondas de choque, ferração correctiva e em ultima instancia cirurgia. O médico veterinário irá ajustar a terapia ao caso clínico em questão, sendo que os síndromas do navicular não se tratam todos da mesma forma.

Os bifosfonatos foram introduzidos no mercado para tratar o síndrome navicular no inicio do milénio. Basicamente estes medicamentos interferem com a remodelação óssea e tendem a reduzir o grau de dor associado. No síndrome navicular, os bifosfonatos estão particularmente indicados nos casos em que a patologia afecta primariamente o osso navicular em vez dos ligamentos e restantes tecidos moles associados.

Alguns autores também defendem a utilização de ondas de choque em casos específicos de síndrome navicular. Para ser eficaz, este tratamento deve ser aplicado o mais próximo possível da estrutura afectada, pelo que é importante ter um diagnóstico especifico, geralmente obtido por ressonância magnética.

De primordial importância, a ferração correctiva tem um papel essencial no maneio de cavalos com síndrome navicular. Não é um assunto dogmático pelo que podem ser utilizadas técnicas diferentes consoante a impressão clínica do médico veterinário e do ferrador. O objectivo é obter um tipo de ferração que providencie alivio ao cavalo, tornando-o mais confortável, reduzindo ou eliminando a claudicação. Por vezes, o exame radiográfico ajuda a avaliar o aprumo do casco, em particular a angulação das estruturas ósseas do aparelho podotroclear, ou seja a articulação interfalangeana distal. Esta avaliação pode sugerir qual a técnica de ferração que permita melhorar o aprumo. Tipos de ferração frequentemente utilizados no maneio de cavalos com síndrome navicular incluem as ferraduras graduadas ou a aplicação de palmilhas em forma de cunha para elevar o talão, reduzindo dessa forma a tensão exercida sobre o tendão flexor digital profundo; aplicação de “rocking” na pinça para facilitar a elevação do membro na final da fase de apoio da passada; ou ferraduras fechadas em forma de ovo para distribuir a superfície de apoio e transmitir parte das forças da ranilha para a taipa na região do talão. Conforme se disse acima, não existe nenhuma regra fixa sobre o tipo de ferração pelo que pode valer a pena experimentar ferrações diferentes para avaliar qual o tipo que parece ser mais eficaz para cada caso em questão.

As injeções intrassinoviais, da bursa navicular e/ou da articulação interfalangeana distal com anti-inflamatórios (geralmente corticosteroides), também fazem parte do maneio de cavalos com síndrome navicular. A estrutura a injectar depende em grande parte do resultado da avaliação clínica ou dos testes de imagiologia, em particular da ressonância magnética.

Assim que o cavalo começa a responder ao tratamento aliviando o grau de claudicação, o exercício físico moderado é extremamente importante. Não é bom para um cavalo ficar parado durante muito tempo, pelo que o exercício físico deve ser ajustado aos sinais clínicos. O cavalo deve andar muito a passo e o trote e o galope devem estar condicionados ao grau de dor que o cavalo apresenta. Naturalmente não se deve forçar passando a zona de conforto. Aliás, o nível de exercício físico deve estar sempre abaixo do limiar de tolerância.

Nos casos crónicos que não respondem ao tratamento médico, resta a opção do tratamento cirúrgico. Existem vários procedimentos mas o mais comum, também por ser talvez o mais eficaz é a neurectomia do nervo palmar digital. Esta técnica consiste na remoção de uma porção do nervo que enerva o aparelho podotroclear eliminando assim toda a sensibilidade inerente a esta zona. É uma opção que tem vantagens e desvantagens mas por vezes é a única forma de manter o animal sem dor e com qualidade de vida.

É difícil prevenir o síndrome navicular. Um bom regime de treino, de preferência sem eventos traumáticos, uma boa conformação dos membros e dos cascos  e uma boa ferração podem prevenir lesões no aparelho podotroclear e evitar o síndrome navicular. De igual modo, no caso da ocorrência de lesões, ou quando se detecta o menor grau de claudicação o cavalo deve ser parado e tratado pelo médico veterinário de modo a evitar a evolução e agravamento da lesão. Lesões agudas podem ser reversíveis enquanto que lesões crónicas no aparelho podotroclear muito provavelmente deixarão sequelas que em alguns casos podem comprometer a utilização do cavalo.

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