Unidade Militar de Medicina Veterinária: na vanguarda da inovação e do conhecimento
Uma equipa de 27 pessoas dá resposta às exigências da Unidade Militar de Medicina Veterinária, que tem como principal missão apostar na profilaxia e apoiar os três ramos das Forças Armadas. São clínicas comuns a tantas outras, mas que prestam cuidados médico-veterinários a animais de trabalho e com funções específicas. A VETERINÁRIA ATUAL foi ver como é que são tratados os animais que nos metem “em sentido”.
Os dias são intensos na Unidade Militar de Medicina Veterinária (UMMV), que tem como missão garantir o apoio veterinário nas áreas de segurança e defesa alimentar, medicina, cirurgia e vigilância epidemiológica aos três ramos das Forças Armadas e outras instituições do Estado. A unidade, dividida em três valências – Clínica Veterinária Militar de Equinos (CVME), Clínica Veterinária Militar de Canídeos (CVMC) e Departamento de Segurança Alimentar e Vigilância Epidemiológica (DSAVE) – conta com um total de 27 pessoas, englobando médicos veterinários (num total de 14), enfermeiros veterinários (num total de quatro), uma engenheira agrícola e praças que dão algum apoio.
O tenente-coronel Paulo Ribeiro foi nomeado, a 13 de janeiro deste ano, como comandante da UMMV, o cargo cimeiro na medicina veterinária militar. O também médico veterinário, licenciado pela Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa (FMV-ULisboa), não esconde o entusiasmo pelas funções que lhe foram atribuídas e recebeu a equipa da VETERINÁRIA ATUAL, que acompanhou um dia de trabalho desta unidade (ver caixa). Este cargo tem limite legal em termos de idade, estabelecido nos 57 anos.
É um espaço generoso, o da CVME, onde se presta apoio médico-veterinário e cirúrgico aos equinos do Exército em regime de ambulatório ou de internamento. Além da realização de exames complementares de diagnóstico – ecografia, raio-x, análises clínicas, a clínica inclui um amplo bloco cirúrgico à medida dos pacientes onde, num andar superior, os estagiários de medicina veterinária ou os tratadores podem assistir às intervenções – sempre que possível, devidamente programadas – aos seus cavalos. A profilaxia é uma prioridade da UMMV para precaver casos clínicos desafiantes e exigentes.
A CVME apoia e colabora ainda no ensino de equinos da Escola das Armas (ambas as instituições partilham as instalações e a mesma localização, em Mafra) na identificação oficial dos equinos adquiridos ou produzidos pelo Exército e no apoio às suas equipas / representações equestres. A casuística acaba por resultar das funções destes cavalos, explica o major Medeiros. “Surgem muitos problemas músculo-esqueléticos e osteoarticulares, fruto desta atividade dos cavalos, desde a parte da instrução à vertente desportiva. Recebemos também equinos com os problemas habituais ligados à medicina interna, à dermatologia e à oftalmologia”, afirma.
A clínica recebe muitos casos referenciados de outros médicos veterinários que acompanham cavalos do Exército ao longo do País. “São evacuados [sic] para aqui para serem tratados por nós, ficam internados e voltam aos seus locais de origem e às suas atividades depois de restabelecidos.”
Uma das mais-valias da CVME é o apoio técnico ao curso siderotécnico da Escola das Armas. “Aqui, aprende-se a ferrar e esta acaba por ser uma profissão muito valorizada, pois não existem muitas pessoas dedicadas a esta área em Portugal”, explica o comandante Paulo Ribeiro.
A aposta na formação é contínua: os médicos veterinários realizam cursos regularmente para se irem atualizando. A médica veterinária Ana Teresa Silva, chefe da CVME, publicou a obra Hipologia – Guia para o Estudo do Cavalo, o que mostra também o aprofundamento de conhecimentos que o setor exige. Esta obra, lançada em 2009, destina-se a todos os que lidam com cavalos, sejam cavaleiros, criadores, médicos veterinários, estudantes ou admiradores. Inclui ainda um capítulo dedicado à saúde, desde os primeiros socorros, às primeiras doenças e lesões que os afetam. A análise é feita tanto do ponto de vista veterinário, como funcional, fornecendo informações para que os cavaleiros possam tirar o melhor rendimento do seu cavalo.
“Também temos médicos e enfermeiros veterinários a fazer investigação para ficarem up to date com o estado da arte e do melhor que se faz atualmente em medicina veterinária”, acrescenta Paulo Ribeiro. Para o tenente-coronel, “a veterinária militar tem estado sempre na vanguarda do conhecimento ao longo dos anos, constituindo um mote para o prestígio granjeado pelos veterinários militares e um estímulo para as gerações vindouras que querem servir o país como técnicos médico-veterinários no Exército”.
Sempre que possível, a clínica recebe estagiários na área de medicina veterinária, enfermagem veterinária e auxiliares de veterinária oriundos de várias faculdades do País. “Desde que haja capacidade para darmos resposta, tanto na Clínica de Equinos como de Canídeos, aceitamos estagiários. Temos também disponibilidade para colaborar com as várias faculdades do país na área da formação”, acrescenta.
Plano de profilaxia
A CVMC, em Lisboa, não tem capacidade de internamento, como acontece com a Clínica Veterinária Militar de Equinos. A vertente clínica e cirúrgica é assegurada em regime de ambulatório. Em ambas as clínicas, existe uma escala de urgência, havendo sempre um médico veterinário a dar resposta a casos urgentes. O tenente-coronel Pedro Brites é o chefe desta clínica, que presta apoio profilático, médico e cirúrgico a canídeos pertencentes aos três ramos das Forças Armadas. “Estes são cães de trabalho [de guerra e de guarda] com diferentes funções”, explica.
No dia da reportagem da VETERINÁRIA ATUAL, a equipa de médicos veterinários tentava perceber se o Wolf tinha displasia na anca. “Quando os cães têm alguma claudicação, fazemos alguns passeios no exterior para perceber como fazem os seus apoios e realizar a devida avaliação”, diz Pedro Brites. Depois, em ambiente de consultório, a equipa tenta chegar ao diagnóstico ou à reavaliação necessária em prol da qualidade de vida e do bem-estar do animal. Sempre que necessário e para a realização de testes à deteção de displasia da anca, recorre-se a sedação.
No que respeita a equipamentos e meios de diagnóstico, a CVMC disponibiliza ecografia, endoscopia, raio-x, análises de hematologia e bioquímica e microscópio ótico. “Temos também um protocolo com um laboratório externo para necessidades que excedam a nossa rotina.” Além de dois consultórios, de uma sala de reuniões – que também é utilizada em formação – e de uma sala multiusos usada para preparação das cirurgias, o espaço conta também com um bloco cirúrgico com capacidade para realização de duas cirurgias em simultâneo, desde que seja possível e existam recursos humanos e condições suficientes. “Trabalhamos com autoclaves e com estufas, fazemos calor húmido e calor seco, além de monitorizarmos as cirurgias com a presença de um anestesista em cada cirurgia realizada.”
Uma das novidades mais recentes da CVMC é o raio-x digital, um investimento que Pedro Brites considera “muito positivo” depois de analisada a relação de custo / benefício, algo que antecede todas as decisões de investimento. Sempre que é necessário realizar uma TAC, os casos são referenciados para a FMV-ULisboa. “O número de vezes que precisamos deste exame não justifica o investimento avultado na aquisição do equipamento.”
Quanto à formação, esta clínica participa na formação de treinadores tratadores de cães militares, nos componentes médico-veterinários e de comportamento e bem-estar animal.
Na CVMC, é ainda assegurado o controlo reprodutivo dos canídeos do efetivo do Exército e a participação na seleção efetiva de reprodutores e de efetivos. Na CVME, este apoio também é dado. “Asseguramos a monitorização das éguas, promovemos a inseminação artificial e o acompanhamento dos potros que nascem posteriormente cá”, sublinha o major Medeiros.
Médicos veterinários certificados
O Departamento de Segurança Alimentar e Vigilância Epidemiológica (DSAVE), que tem como chefe o tenente-coronel Daniel Simões, tem também uma grande importância para a UMMV no apoio que dá aos ramos das Forças Armadas e a outras instituições do Estado, bem como a outras forças de segurança (como a PSP e a GNR) mediante solicitação. Além de colaborar na realização de auditorias técnicas aos fornecedores de géneros alimentícios e na elaboração das especificações técnicas relativas à qualidade e à segurança alimentar, colabora na investigação de surtos de doenças de origem alimentar e no despiste de eventuais atos de contaminação intencional dos alimentos. Colabora ainda em ações de formação dos militares do setor de veterinária, no seu âmbito de atuação. “Tanto em território nacional como no teatro das operações, no plano internacional, temos esta função de segurança alimentar”, salienta Paulo Ribeiro.
Neste momento, todos os médicos veterinários da UMMV são certificados para fazer auditorias internas de acordo com a norma ISSO 22000. “É um requisito que nem todos os veterinários têm”, adianta o comandante.
Uma unidade com uma herança histórica
Está a dez anos de completar o segundo centenário. A Unidade Militar de Medicina Veterinária (UMMV) foi criada por decreto a 29 de março de 1830 por alvará régio do rei D. Miguel, momento em que o ensino das ciências veterinárias foi institucionalizado em Portugal. Originalmente intitulada de Escola Veterinária Militar, em 1837, foi anexada à Escola do Exército e, dez anos depois, transferida para o Ministério da Guerra. Em 1911, é publicado o despacho normativo para criação do Hospital Veterinário Militar, que acabou por ser criado em 1916.
Em 1930, o HVM é transferido para as atuais instalações e, em 1948, é criada a Escola Prática do Serviço Veterinário Militar (EPSVM) anexa ao HMV, por decreto do Ministério da Guerra, que acabaria por ser extinta em 1993, ano em que foi criado o Centro Militar de Medicina Veterinária (CMMV), na Quinta da Alfarrobeira, em Lisboa. A 26 de março de 2015, o CMMV é extinto para dar lugar à UMMV, em Lisboa.
Por Cláudia Pinto | Fotografia: Rodrigo Cabrita
Fonte: Veterinária Actual