Algumas palavras sobre infiltrações
Dr. Henrique Moreira da Cruz
O termo infiltração tem uma designação vaga; no dicionário Médico vem definido como “difusão ou acumulação num tecido de substâncias em concentrações excessivas ou que não são naturais…”.
Contudo, na nossa gíria, infiltração refere-se frequentemente à injecção intra-articular de medicamentos.
Por razões práticas, vou classificar este tipo de injecções em duas categorias, de acordo com o fim pretendido. Assim temos primeiro as injecções localizadas com fins diagnósticos, de modo a confirmar, ou eliminar, uma determinada articulação como foco de dor, no processo de investigação de uma claudicação. Neste caso a “infiltração” consiste na injecção intra-articular de anestésico local. Também com fins diagnósticos podemos recorrer à injecção intra-articular de agentes de contraste radiográfico de modo a investigar o envolvimento de determinada articulação aquando do exame de feridas que ocorreram na vizinhança ou proximidade da articulação em questão. Em muitos casos este teste pode ser realizado de um modo ainda mais simples através da injecção intra-articular de uma solução salina fisiológica estéril de modo a distender a articulação o que permite verificar, na maioria dos casos, comunicação (ou não) entre a articulação e a ferida.A outra categoria consiste na injecção intra-articular de medicamentos com fins terapêuticos, isto é, de tratamento. Ao contrário de um tratamento sistémico (ex.: injecção endovenosa ou intramuscular) em que a substância injectada circula e distribui-se por todos os sistemas do organismo antes de atingir o “alvo” pretendido; a injecção intra-articular permite depositar directamente a substância medicamentosa no local pretendido (isto é, a articulação em questão), com duas vantagens principais: obtem-se a concentração desejada de medicamento na articulação utilizando uma dose significativamente menor do que a que seria necessária caso o medicamento fosse administrado por via sistémica, uma vez que se evita a distribuição da substância pelo organismo; deste modo evitam-se potenciais efeitos adversos que a substância possa ter noutros órgãos que não a articulação afectada.
O tratamento intra-articular é comumente utilizado em casos de osteoartrite ou doença articular degenerativa (DAD); e frequentemente e também com menos sucesso em casos de rotura de ligamentos capsulares com sinovite secundária.Hoje em dia, utilizam-se frequentemente 3 tipos de substâncias diferentes para o tratamento intra-articular, são elas os corticosteroides, os glicosaminoglicanos polisulfatados e o hialuronato.Os agentes corticosteroides são derivados sintéticos da cortisona, o seu emprego intra-articular começou a ser utilizado em humanos no princípio da década de 50. Os corticosteroides são agentes com uma acção anti inflamatória potente e com beneficio no tratamento da articulação afectada com osteoartrite. No entanto estas substâncias ganharam uma má reputação, na medicina humana, medicina veterinária e público em geral, principalmente na década de 80. Este facto foi devido ao seu abuso e emprego irracional juntamente com inadequada selecção de casos. Está provado que o emprego intrarticular destas drogas em doses adequadas tem um efeito benéfico em articulações com osteoartrite, contudo as mesmas substâncias quando utilizadas em doses elevadas têm um efeito destrutivo nas mesmas articulações. Está também igualmente provado que a injecção intrarticular de agentes corticosteroides em articulações saudáveis tem um efeito destrutivo nessas articulações; daí a importância de um diagnóstico específico antes de começarmos a pensar em “infiltrações”.
A utilização repetida da injecção intrarticular de corticosteroides, é prática comum em medicina desportiva, seja medicina humana ou medicina equina. Há relatórios de futebolistas que receberam mais de 200 injecções IA de corticosteroides. Há cavalos no circuito internacional que necessitam de injecções periódicas de cortico-esteroides para continuarem a carreira desportiva…Para o emprego destas substâncias ser bem sucedido é necessário que o médico veterinário tenha conhecimento e consciência da acção farmacológica do agente em questão e que o paciente a ser tratado sofra de uma condição que beneficie deste tratamento específico. “Vamos infiltrar porque o cavalo está coxo, e quanto mais melhor!” nem sempre funciona.O segundo tipo de substâncias utilizadas para injecção intra-articular são os glicosaminoglicanos polisulfados. Estes agentes ganharam popularidade na década de 80 e estão particularmente indicados em situações de lesão da cartilagem articular e tecido ósseo subcondral. No entanto estes agentes apresentam a desvantagem de diminuírem as defesas do sistema imune intra-articular pelo que potenciam o desenvolvimento de infecções intra-articulares após a injecção, com efeitos devastadores. A via intramuscular também pode ser utilizada, com a vantagem de evitar o risco de infecção da articulação, e ao mesmo tempo permite distribuição do medicamento quando mais do que uma articulação estão afectadas.Mais recentemente, no principio dos anos 90, o hialuronato que é um constituinte do fluido sinovial, ganhou grande popularidade principalmente no tratamento de osteoartrite no estado inicial e associada a sinovite, ou inflamação do revestimento interno da capsula articular.Numa articulação saudável, o hialuronato tem uma função de lubrificação das superfícies articulares. Contudo, numa articulação com osteoartrite, este agente desempenha uma importante acção anti-inflamatória e restitui um ambiente articular normal. Vários estudos provaram que existe vantagem em administrar hialuronato juntamente com cortico-esteroides.
Um factor de primordial importância sobre infiltrações intra-articulares é o aspecto técnico. Devemos considerar assim 2 fases. Primeiro a fase de preparação e depois a fase de injecção propriamente dita.A preparação é tão importante como a injecção em si, para um tratamento de sucesso. Nunca é demais alertar para as consequências catastróficas de infecção numa articulação! Qualquer infiltração intra-articular tem um risco inerente de provocar uma infecção na respectiva articulação devido à introdução de contaminação. É importante reduzir ao máximo estes riscos, através de uma preparação adequada da área a ser injectada. É dever do médico veterinário informar a pessoa responsável pelo cavalo sobre estes riscos e explicar os métodos de preparação.A infiltração intrarticular deve ser considerada um acto cirúrgico e como tal os princípios de assépsia devem ser empregados. Deve ser feita num local relativamente limpo, onde não haja correntes de poeiras, ou poças de lama que possam chapihnar. Não deve ser feito à pressa e é importante ter ajuda de pessoas competentes que possam segurar o cavalo adequadamente. O pêlo deve ser rapado na área da injecção, aproximadamente 3 a 5cm2, conforme a articulação em questão. Este é um aspecto de muita controvérsia em cavalos de competição pois os donos ou treinadores não querem que os seus cavalos apareçam em público com vestígios ou sinais que evidenciem intervenção veterinária. Cria-se um complexo de inferioridade pois as “más-línguas” dizem logo que o cavalo está “todo partido”, constituindo isto uma grande afronta para o orgulho do cavaleiro… Conclusão, o médico veterinário encontra-se sobre grande pressão de quebrar este primeiro principio de assepsia e infiltrar sem previamente rapar o pêlo. A área deve ser meticulosamente limpa com uma solução antiseptica e a utilização de luvas esterilizadas é essencial. Qualquer cavaleiro que tenha visto o seu cavalo a “andar em 3 pernas” devido a uma injecção articular e que infelizmente teve de estar um ano parado ou até ser abatido, apercebe-se da importância da assépcia.
No caso de injecções intra-articulares com fim de tratamento, trata-se obviamente de articulações lesionadas. Partindo do principio de que foi o nível de actividade durante os treinos ou competições que conduziram ao dano articular é preciso ter em conta que, primeiro, é necessário proporcionar ao cavalo um período de repouso de modo a que a inflamação na articulação não seja permanentemente reactivada. Segundo, há que pensar em mudar o programa de treino para um sistema mais fisiológico de modo a não sobrecarregar as articulações para além da pressão que estas possam aguentar. Caso contrário, a degeneração da articulação ocorrerá muito rapidamente e chegará ao ponto em que o tratamento intra-articular não é eficiente para manter o cavalo funcional, terminando mais cedo a sua carreira desportiva.Para concluir, deixo a mensagem que as injecções intra-articulares, têm um papel de importância na manutenção de certos cavalos de competição, principalmente naqueles já “com alguns quilómetros…!”No entanto, este não deve ser considerado um “remédio santo”. Não se trata da “moedinha que se põe na máquina para ela andar…”. Há que analisar todo o maneio e estratégias de treino e fazer as mudanças necessárias para eliminar os factores que provocaram a lesão inicial na articulação, de modo a evitar que isto se torne num circulo repetitivo.