Desparasitação no Século XXI
Texto: Dr. Henrique Cruz
Até grande parte do século passado, sensivelmente até à década de 70, as doenças parasitárias nos cavalos eram uma grave realidade que debilitava seriamente um grande número de equinos. Cavalos infestados com parasitas podem apresentar perda de peso, sofrer de episódios recorrentes de cólicas, ou estados de diarreia severa que em casos extremos podem pôr em risco a sobrevivência do animal. Antes do advento dos desparasitantes modernos, estes quadros clínicos eram relativamente frequentes. O parasitismo era uma doença universalmente temida.Um desparasitante é um produto que se administra ao hospedeiro definitivo (no nosso caso o cavalo) com o objectivo de eliminar organismos parasitas. Estes produtos têm uma acção nefasta sobre os parasitas causando-lhes a morte, sendo no entanto inócuos para o hospedeiro. Ao longo dos anos, a farmacologia destes agentes evoluiu consideravelmente, aumentando progressivamente a sua eficácia. Por outro lado, os parasitas também evoluíram, sofrendo modificações que os tornaram resistentes aos desparasitantes. Entende-se por resistência a incapacidade do desparasitante de eliminar parasitas do hospedeiro; ou seja, o parasita sobrevive (resiste) à acção do desparasitante. Os desparasitantes modernos são facilmente administrados por via oral, na forma de uma pasta ou gel contidos numa seringa. Contudo, até há cerca de 30 ou 40 anos atrás, estes produtos não se encontravam disponíveis. A única forma de desparasitar um cavalo era através da entubação nasogástrica. Este procedimento tinha de ser efectuado por um médico veterinário e era relativamente desagradável para os cavalos. Este facto, juntamente com a fraca eficácia dos desparasitantes na altura, levava a que grande número de cavalos sofria de infestação parasitária por não estarem devidamente desparasitados. Quando surgiram os desparasitantes modernos, mais eficazes e mais fáceis de administrar, começou-se a desparasitar os cavalos com mais frequência, o que reduziu consideravelmente a incidência das doenças parasitárias. Além disso, os parasitas mais comuns começaram a desaparecer, por serem completamente aniquilados pela potência dos novos desparasitantes.
Contudo, com o desaparecimento das espécies mais patogénicas na altura, começaram a desenvolver-se outras, com um efeito patogénico ligeiramente diferente, e que eram mais resistentes aos desparasitantes.
Se bem que a desparasitação preventiva deva ser promovida, é fundamental evitar a desparasitação em excesso pois esta é uma das principais causas responsáveis pela resistência aos desparasitantes. A resistência aos desparasitantes continua a ser uma realidade nos dias que correm e como tal é nosso dever informar o público sobre os riscos e consequências deste problema. Trata-se de um fenómeno semelhante à resistência a antibióticos por parte de bactérias que tanto afecta a saúde pública. As espécies de parasitas consideradas de maior importância para o cavalo têm mudado significativamente ao longo dos tempos, e isto é devido, em grande parte, ao advento, principalmente desde o final do século passado, de produtos desparasitantes altamente efectivos.Por uma questão de simplicidade não vamos aqui descrever as várias espécies de parasitas do cavalo nem os respectivos ciclos de vida. No entanto, ao falar em parasitismo, é essencial ter a noção de que todos os parasitas têm um ciclo de vida obrigatório, parte do qual passa pelo exterior do hospedeiro (neste caso, o cavalo). Ou seja, para se infestar, o cavalo tem de ingerir larvas no estádio infestante. As larvas eclodem dos ovos postos pelos parasitas adultos que vivem no interior do intestino do cavalo, e têm de passar por vários estádios de desenvolvimento no exterior (em ervas e em alguns casos em hospedeiros intermediários) até atingirem o estádio infestante e ser ingeridas pelo cavalo, onde depois atingem o estado adulto, repetindo-se assim o ciclo.Tendo presente este ciclo de vida, um cavalo estabulado, sem acesso directo a erva, dificilmente será infestado com parasitas. Por outro lado, cavalos com acesso a pasto ou paddocks, estão mais expostos à infestação parasitária.
Além disso, hoje em dia sabe-se que existe uma forte componente imunológica sobre a infestação parasitária sendo que, em média, 80% da carga parasitária encontra-se concentrada em 20% dos indivíduos de uma manada. Isto significa que, estatisticamente, numa pastagem com 10 cavalos, apenas 2 deles contêm um número significativo de parasitas. Apenas esses 2 indivíduos deverão ser tratados. Se desparasitarmos os 10 cavalos indiscriminadamente, em 8 deles o desparasitante não irá ter efeito na redução do nível de parasitas. Esta prática, além do desperdiço e despesa, tem a agravante de promover o desenvolvimento de resistências. O ideal seria identificar quais os cavalos que estão infestados e tratar apenas esses 2 indivíduos. Este diagnóstico pode ser feito através de uma análise laboratorial às fezes dos animais (contagem de ovos de parasitas nas fezes). Sugerimos que fale com o seu médico veterinário para efectuar este teste antes de desparasitar indiscriminadamente os seus cavalos.
O princípio é exactamente o mesmo para os cavalos estabulados. Num pátio com 10 cavalos, apenas 1 ou 2 provavelmente estarão com parasitas.
NÃO HÁ NECESSIDADE DE OS DESPARASITAR A TODOS!
No que diz respeito à desparasitação, dum ponto de vista prático podem-se considerar dois grupos principais de parasitas: os Nemátodos (ou vermes redondos) e as Ténias.
Existem vários tipos de desparasitantes no mercado, e com a forte concorrência que se verifica hoje em dia entre as várias companhias produtoras, novos produtos continuam a ser introduzidos. No entanto, não existe um único produto capaz de eliminar todos os tipos diferentes de parasitas com capacidade de infestar o cavalo. Por isso para um programa de desparasitação ser completo pode ser necessário associar desparasitantes diferentes. Não deve existir um programa padrão de desparasitação. A prática corrente de desparasitar todos os animais cada 3 meses (ou 4 ou 6 meses), conforme se recomendava no final do século XX, é hoje em dia considerada inadequada. Pelo contrário, cada programa deve ser individualmente estabelecido para cada pátio, quadra, quinta ou coudelaria, tendo em conta o maneio, tipo de estabulação, número de cavalos, movimento de animais, densidade de população, história prévia de infestação parasitária, entre muitos outros factores. É aconselhável discutir este assunto com o seu Médico Veterinário, pois um programa de desparasitação inadequado não só pode ser ineficiente, mas pior, pode conduzir ao desenvolvimento de estirpes de parasitas resistentes aos desparasitantes, com problemas sérios para o futuro.O tratamento com desparasitantes deve ser apenas uma pequena parte dum programa de desparasitação eficiente. Um bom método para reduzir o risco de infestação parasitária é usar pastagens mistas com cavalos e ruminantes (ovelhas, vacas ou veados). Os parasitas das ovelhas não afectam os cavalos e vice-versa. Por outro lado as ovelhas ao pastar vão remover da erva as espécies larvares infectantes para os cavalos. Do mesmo modo, apanhar as fezes dos cavalos manualmente e removê-las da pastagem todos os dias, irá reduzir consideravelmente o grau de infestação parasitária do pasto. Alternativamente os campos devem ser lavrados e divididos em paddocks usando um sistema de rotação entre as pastagens de modo a dar tempo a que os estádios larvares sejam eliminados naturalmente.
Em conclusão, desparasitar os cavalos todos com frequência, utilizando ou não rotação entre as marcas de desparasitantes, tal como se indicava há 30 anos atrás, é considerado hoje em dia uma prática antiga e contra-indicada. É necessário estabelecer um programa de desparasitação racional, conservador e mais ecológico para garantir a sua eficiência ao longo do tempo e prevenir o desenvolvimento de resistências. Este objectivo é alcançado através da identificação dos animais afectados e utilização de desparasitantes eficazes contra essas infestações.